100 mil contos desviados e falsa justificação de falta de projetos
Em que pé se encontra a esperada requalificação do Largo da Praça Santa Isabel?
A questão do Largo de Santa Isabel resume neste momento no seguinte. O processo de financiamento concedido à Sociedade de Desenvolvimento Turístico das Ilhas de Boa Vista e Maio (SDTIBM) foi reativado com aval do Estado, depois de muitas voltas e voltinhas. Ou seja, tivemos o aval do Estado em setembro d ano passado, foi, no entanto, desembolsada a primeira tranche e algumas faturas. Dada a situação creditícia da Sociedade junto à Banca (CECV), que encontrava-se em situação de irregularidade e com moratórias vencidas, não foi possível dar seguimento ao financiamento da obra até o início de agosto deste ano. No início da semana passada, recebemos a notícia da reativação do crédito de 220 mil contos inicialmente concedido à Sociedade em setembro do ano passado. Neste momento, as faturas pagas pela Câmara Municipal da Boa Vista ao empreiteiro CFS (Construções Figueiredo e Soares) já foram desembolsadas pela SDTIBM. A partir deste momento, as obras vão dar a sua continuidade com financiamento da Sociedade pela via do crédito com aval do Estado. O contrato inicial foi de 174.787.450$00. Considerando os erros e as omissões, este valor aumentou para 194.468.000$00. Estamos a analisar a revisão dos preços, considerando a guerra na Ucrânia e os efeitos da pandemia de Covid19, que certamente provocarão o aumento do referido montante.
Esclareça-nos o alegado desvio para outros fins dos 100 mil contos que se destinavam à requalificação da cidade de Sal Rei.
Esses 100 mil contos, oriundos do Fundo do Turismo, estavam destinados à requalificação da cidade de Sal Rei, ou seja, para fazer aquilo que a câmara municipal está a fazer neste momento: a ligação da cidade de Sal Rei ao Bairro de Boa Esperança. Ou seja, os calcetamentos que deveriam ter sido feitos com os 100 mil contos foram desviados para outros fins. O dinheiro entrou na tesouraria da CMBV em 2017. Se eu tivesse recebido do Estado 100 mil contos, estaria mais tranquilo e menos estressado, porque esse montante daria para fazermos muitas obras na cidade de Sal Rei e certamente os boa-vistenses estariam melhor servidos. Os 100 mil contos desviados eram para isso e para o estudo técnico que se deveria fazer sobre o Bairro de Boa Esperança no que tange à questão das habitações, da rede de esgotos, mas o estudo não foi realizado. Neste momento, nós já adjudicamos os valores que não foram canalizados para estes projetos e a câmara municipal já fez o respetivo contrato. Hoje poderíamos ter uma cidade de Sal Rei devidamente requalificada se esse montante tivesse sido usado para o fim para o qual estava previsto. Esse montante entrou nos cofres da câmara municipal em 2017, mas foi utilizado para financiar festas do município e o festival de música da Praia de Cruz. Isto tudo aconteceu antes do nosso mandato, mas hoje estamos a ser chamados para justificar o uso desta verba, o que não é justo. Nós até hoje só recebemos 7 mil e poucos contos do Fundo do Turismo, sendo a Boa Vista uma ilha turística.
Mas qual foi a justificação do governo sobre esse valor irrisório concedido à CMBV?
A justificação é que não temos projetos, mas isso é falso. O Governo não quer ver os projetos existentes. Não é preciso ir muito longe: o projeto da orla marítima não começou por falta de financiamento. Se o Fundo do Turismo tem dinheiro não pode se queixar de falta de projetos. O projeto do Largo da Praça de Santa Isabel está no ritmo em que está por inexistência de financiamento. O Bloco Operatório do Centro de Saúde não está a avançar também por falta de dinheiro. Mais: a requalificação, os calcetamentos da cidade de Sal Rei e a interligação da rede de esgotos da estação para a ETAR de Chaves são projetos que foram também apresentados.
Realizou-se inclusive concursos sobre alguns destes projetos e há vencedores, que já têm visto prévio do Tribunal de Contas. Temos o projeto de rede de água para os povoados de Bofareira e Estância de Baixo, que também foram objeto de concurso. São projetos que o Governo terá que financiar. Este discurso de falta de apresentação de projetos para a ilha não cola. Até porque, segundo as diretivas do Fundo do Turismo e do Fundo do Ambiente, todos os municípios são chamados a apresentar projetos. A Câmara Municipal da Boa Vista já apresentou as fichas dos projetos. Por isso, saíram no Boletim Oficial as diretivas do Fundo do Turismo para o município. São 489 mil contos, que se destinam, entre outros, aos projetos do Museu e Centro de Interpretação e à requalificação da Farinação. Apresentamos o projeto de requalificação urbana e ambiental da zona de São Cristão e Estoril, lançamos concurso e as diretivas do Fundo do Turismo saíram em dezembro de 2022 e já estamos em agosto de 2023. Quisemos assinar o contrato e pediram-nos um projeto e lançámos um concurso para a elaboração deste projeto específico. No entanto, continuamos a aguardar a assinatura do contrato programa, o que devia ter acontecido há muito tempo, conforme já aconteceu em outros municípios. Aquando da ligação do bairro de Boa Esperança à rede de energia e água, apresentamos um caderno de mais de 150 folhas sobre as habitações que não foram ligadas por falta de condições de habitabilidade. Apresentamos também um caderno sobre um projeto de intervenção no Bairro de Boa Esperança com um orçamento de cerca de 220 mil contos. São ou não são projetos? Pedimos o apoio do Fundo do Turismo no sentido de comparticipar o Fórum do Ambiente e Turismo e até ainda não chegou um tostão. Apresentamos um projeto para instalação de um Gabinete de Apoio Técnico no Bairro de Boa Esperança para facilitar o processo de ligação de das casas do referido bairro à rede de energia elétrica e de água, que seria operado mediante um acordo entre o Fundo do Turismo, a Sociedade de Desenvolvimento de Boa Vista e Maio, AeB Água e Energia da Boa Vista e o Governo. A responsabilidade de pagamento dos salários seria do Fundo do Turismo, mas até esta data não pagou nenhum tostão. Este ano, aquando da realização da final do campeonato nacional de futebol, vimos o Governo ir à ilha do Maio, mas não veio à Boa Vista no ano passado. A discriminação é clara. O Governo não ajudou com recursos financeiros e nem se envolveu em nada na Boa Vista. O ministro que tutela o setor do desporto sequer se dignou a marcar presença na ilha. Mas vi na televisão que no rearranjo do exterior do campo de futebol onde se realizou a final do campeonato nacional de futebol no Maio foi investido nove mil contos. Isto é uma tamanha vergonha porque os arredores do campo de futebol da Boa Vista foram reabilitados com recursos próprios da CMBV. Na verdade, somos todos filhos do mesmo pai e da mesma mãe, somos municípios iguais inclusive com características iguais. Mas há aqui (campeonato nacional de futebol) filhos de dentro e filhos de fora.
Transferências congeladas e constrangimentos locais
Consta que o governo tem congelada a transferência de verbas para a Câmara Municipal. O que diz sobre isto?
É evidente que sim. A Câmara Municipal da Boa Vista que está há dois anos na gestão da autarquia recebeu somente sete mil e tal contos do Governo, numa ilha que arrecada e dá aos cofres do Estado milhares de contos. Isto quando há uma exigência local e internacional para melhorar a Boa Vista como destino turístico. Não se qualifica a ilha sem o dinheiro. Precisamos de intervir principalmente na requalificação e no saneamento, que são questões básicas. Não estamos, portanto, a pedir nada que Boa Vista não tenha direito. A Sociedade de Desenvolvimento tem a responsabilidade de trabalhar no fomento do desenvolvimento integrado do turismo da Boa Vista e do Maio. Há vendas de terrenos que são da própria ilha. Ou seja, Boa Vista tem capital próprio que reverte a favor dela e contribui para investimentos em outras ilhas, nomeadamente através do Fundo do Turismo e mediante a entrada da taxa de turismo. Contudo, sentimos a necessidade de vender terrenos do próprio município para poder ter dinheiro para investir na própria ilha. E os recursos das outras ilhas não poderão vir para cá? Estão a nos asfixiar. A prova disso é a obra do Largo da Praça de Santa Isabel, que não está a ir para a frente por falta de financiamento.
Boa Vista é a ilha de Cabo Verde mais turística, depois do Sal. Quais são os principais constrangimentos existentes?
O Governo deve resolver, como prioridade das prioridades, os problemas dos transportes marítimos e aéreos para que possamos ter melhor ligação entre as ilhas, principalmente entre as mais turísticas, como Boa Vista e Sal. Por outro lado, há a necessidade de o Governo intervir imediatamente na melhoria dos principais serviços e na requalificação urbana: o saneamento básico, a saúde, a educação e o ensino precisam de quadros técnicos para poderem se desenvolver na ilha.
A par do busto em homenagem a Aristides Pereira, o que mais está previsto para assinalar, em novembro, o primeiro centenário de nascimento deste que foi o primeiro Presidente da República de Cabo Verde?
Há um trabalho a ser feito em concertação com a Presidência da República, com a qual houve uma conversa por alto sobre o assunto. O centenário do nascimento de Aristides Pereira e qualquer atividade relacionada com esta efeméride terá que vir da Presidência da República. Solicitamos que na celebração desta data a ênfase maior seja colocada na ilha onde nasceu o primeiro Presidente da República de Cabo Verde. Quanto ao projeto do busto de Aristides Pereira, podemos dizer que está avançado (ver a peça nesta edição).
Recandidatura à Câmara e mensagem aos munícipes
O atual mandato autárquico está prestes a terminar. Vai concorrer a um novo mandato à frente da Câmara Municipal da Boa Vista?
Sim. Tenciono recandidatar-me e conto com o apoio da minha família, da minha equipa e dos colaboradores da Câmara Municipal da Boa Vista. Quero ainda contar com o apoio de todos os munícipes, ou seja, da população em geral. E da família do PAICV tenho a garantia de apoio total à minha recandidatura ao cargo de presidente da Câmara Municipal de Boa Vistas nas eleições autárquicas de 2024. O trabalho feito até aqui em concertação com os colaboradores, as horas de sono perdidas, as «balas» que recebemos durante este período serviram para aprendermos e criar a robustez necessária para enfrentarmos um segundo mandato com mais tranquilidade e trabalhar com afinco para operar a viragem que o município da Boa Vista precisa. Estamos a um ano e meio do fim do mandato e a visão que temos é a de continuar a trabalhar para colocar Boa Vista num patamar alto de desenvolvimento. A nossa visão é trabalhar para que a ilha ande com os seus próprios pés, apostando sobretudo no sector primário para alavancar a economia local. Aliás, definimos isso no nosso programa de governação deste mandato prestes a terminar, consistindo no fortalecimento da economia local, do capital humano e do plano de infraestruturação da ilha.
Que mensagem quer dirigir aos boa-vistenses nesta hora?
Os boa-vistenses devem acreditar que Boa Vista consegue andar com os seus próprios pés e que para isso precisa de um djunta-mon de todos. Deixem de pensar que a Câmara Municipal tem de resolver todos os problemas da ilha. Os problemas terão que ser resolvidos por todos nós. Se cada um de nós fizer a sua parte, desde pequenas coisas como levar o lixo da nossa casa até um contentor até coisas mais importantes como regressar à ilha depois de completar um curso universitários para contribuir para o desenvolvimento local, as coisas vão se resolver mais depressa e conseguiremos acelerar o processo de desenvolvimento local. É preciso que os boa-vistenses acreditem que Boa Vista merece mais.
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Link da I parte da entrevista: