Após manter-se em silêncio durante a manhã, marcada por um conjunto de questões prévias colocadas pela defesa, no período de tarde Amadeu Oliveira não poupou nas palavras no primeiro dia de julgamento no 1.º Juízo Crime do Tribunal da Comarca da ilha de São Vicente.
Perante um coletivo de três juízes, disse que está disposto dar a sua vida porque está convicto de que não vai sair da cadeia de Ribeirinha, na mesma ilha, onde está em prisão preventiva desde 18 julho de 2021.
O arguido passou praticamente todo o tempo de cerca de duas horas a defender Arlindo Teixeira - condenado inicialmente a 11 anos de prisão por homicídio – pena depois revista para nove anos – a quem ajudou em junho do ano passado a fugir do país, com destino a Lisboa, tendo depois seguido para França, onde está há vários anos emigrado.
Arlindo Teixeira era constituinte de Amadeu Oliveira, forte contestatário do sistema de Justiça cabo-verdiano, num processo que este considerou ser "fraudulento", "manipulado" e com "falsificação de provas".
Amadeu Oliveira assumiu publicamente, no parlamento, que planeou e concretizou a fuga do condenado, de quem era advogado de defesa, num caso que lhe valeu várias críticas públicas.
Disse que salvou a vida do seu constituinte e voltou a assumir a culpa por tê-lo ajudado a sair do país, alegando que Teixeira agiu em legítima defesa aquando do assassinato.
“Agi de acordo institucional, não sou bandido, sou um homem institucional, vou à igreja, pago os mesmos impostos, menos à Ordem dos Advogados de Cabo Verde (OACV)”, afirmou, garantindo que não usou a sua condição de deputado para ajudar na evasão do condenado.
Considerando que alguns pontos do processo são uma “falácia”, disse que está à espera de ser ouvido em tribunal há seis anos, o mesmo período que teve a defender Arlindo Teixeira, dizendo que o fez sem receber, mas sim para cumprir a sua palavra.
Amadeu Oliveira, que se apresentou como tendo a profissão de “presidiário” reiterou igualmente as acusações contra os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
O primeiro dia de julgamento, que terminou perto das 20:00 locais (22:00 em Lisboa), decorreu de forma tranquila no Tribunal de São Vicente, com a sala de audiências cheia, com cerca de 50 pessoas, entre elas também procuradores da República, testemunhas, jornalistas.
Na audiência estiveram também deputados e o presidente da União Cabo-verdiana Independente e Democracia (UCID), João Santos Luís, partido pelo qual Amadeu Oliveira foi eleito deputado por São Vicente nas eleições legislativas do ano passado.
Destaque ainda para a presença de alguns curiosos nas imediações do tribunal, cuja rua de acesso foi cortada ao trânsito por agentes da Polícia Nacional de Cabo Verde.
Em 29 de julho, a Assembleia Nacional de Cabo Verde aprovou, por maioria, a suspensão de mandato do deputado, pedida em três processos distintos pela Procuradoria-Geral da República (PGR), para o poder levar a julgamento, que prossegue na terça-feira.
Oliveira é acusado, num processo mediático e ocorrido já após as eleições legislativas de 2021, dos crimes de atentado contra o Estado de direito, perturbação do funcionamento de órgão constitucional e ofensa a pessoa coletiva, segundo a PGR.
De manhã, Félix Cardoso, um dos membros da equipa de quatro advogados de Amadeu Oliveira, prometeu aguardar “com serenidade” o desenrolar do processo, acreditando que os crimes pelos quais o arguido está acusado “padecem de vícios de qualificação jurídica”.
“Quando a defesa levanta estas questões prévias é no sentido de assegurar a defesa e também expurgar do processo essas nulidades”, reforçou, esperando um desfecho favorável do processo. A Semana com Lusa