A neutralidade do Brasil em relação ao conflito na Ucrânia permitiu-lhe estreitar laços com a Rússia, como se viu na recente visita a Moscovo do presidente brasileiro, que se demarcou das sanções e estendeu a mão a Putin (Bolsonaro na Rússia condecorou Andreievitch ’tzar dos fosfatos’ e alvo de sanções, 27.mar.22).
Esse aproximar Brasília-Moscovo foi impactante, como agora se vê, para garantir a importação dos fertilizantes necessários para o Brasil consolidar a sua posição de grande produtor agrícola mundial.
China antecipou-se à UE
A presidência de Xi, antecipando a corrida ao milho, assinou há um mês um protocolo com o Brasil que visa assegurar a importação deste cereal — que tinha como um dos principais destinos a União Europeia.
A proximidade Brasil-China é facilitada pela co-pertença ao grupo estratégico-económico BRICS que está a fortalecer-se perante o confronto entre os blocos do "Leste" (Rússia e parceiros) e do "Ocidente" (UE-US-Aliados).
Já em 2017 se podia falar de "antecipação" no contrato pelo qual a China Merchants Port Holding Company (CMPort) adquiriu 90% dos Terminal de Contêineres /Contentores de Paranaguá, como noticiou a BBC. O porto de Paranaguá é o principal porto de exportação da soja brasileira, cujo maior cliente é a China.
Fartura choca no Brasil faminto
A fartura cerealífera, base da alimentação, faz crescer a exportação enquanto o país atravessa uma crise profunda com mais de trinta e trÊs milhões de pessoas a passar fome.
Estatísticas citadas em relatórios oficiais e repercutidas em toda a web-esfera (Globo, Record, sites do IBGE....) demonstram que apesar das produções recorde de cereais deste ano, a fome no Brasil aumentou consideravelmente nos últimos dois anos e atinge 15,5% da população.
Segundo os dados do 2° Inquérito Nacional sobre a Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela PENSSAN-Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, "mais de 33 milhões de brasileiros não têm o que comer". Comparativamente a 2020, são mais 14 milhões de pessoas afetadas pela fome — um dos males do Brasil que tem causas múltiplas muitas delas socio-históricas como documenta Josué de Castro em Geografia da Fome, que inspirou os documentários que a Globo vem realizando há mais de 20 anos.
Segundo reportagens da Globo e da Record, em algumas comunidades da cidade do Rio de Janeiro, a ajuda solidária é a única forma de sobrevivência para "as pessoas em situação de vulnerabilidade social" que assim têm acesso a uma refeição diária gratuita, a sua única refeição do dia.
"O povo tem fome, o povo está passando fome. O povo, hoje, está dependendo de uma quentinha para sobreviver", diz uma carioca (habitante do Rio de Janeiro). Outra conta que ela e a família sobrevivem vivendo da recolha do lixo: "Vamos às feira, aos mercados pegar alimentos que não servem mais".
Classe-média em insegurança alimentar. Uma "pesquisa" (sondagem) da Datafolha publicada ontem (terça-feira, 28) dá conta que a insegurança alimentar atinge quase 40 por cento e no grupo estão agregados familiares da classe média, com dois salários mínimos de perto de 2,5 mil reais (50 mil CVE). Mas a insegurança alimentar atinge também 14% dos agregados que ganham até cinco salários (R$ 6.060, 120 mil CVE) e 4% das famílias que recebem até dez salários mínimos (R$ 12.120).
Os c.40 por cento acima referidos estão aliás próximos do número de pessoas afetadas por uma crise alimentar e nutricional em Cabo Verde, como no dia 23 a imprensa internacional repercutiu. Cabo Verde "atingiu um recorde histórico em junho de 2022, com 181.000 mulheres, homens e crianças a enfrentarem uma fome aguda".
A 7 meses da eleição presidencial. Em março, o presidente Jair Bolsonaro (com as sondagens a dar Lula em como favorito) anunciou um programa social, de 27 mil milhões de euros, que inclui medidas como o adiantamento do complemento salarial, ou 13º mês, para os reformados, a autorização da utilização de recursos de um fundo de garantia ao trabalhador, para casos de demissão ou situações excecionais, e o acesso a créditos.
Fotos: A China Merchants Port Holding Company (CMPort) adquiriu 90% do Terminal de Containers/Contentores de Paranaguá, que é o segundo maior porto do Brasil (foi notícia em 2019: Presidência de Angola nega ter encomendado carros em navio vindo do Brasil apreendido no Senegal com 1036 kg de cocaína, 11.jul.2019).