“No Estádio Nacional do Chile, transformado num campo de concentração, havia uma Procuradoria Militar e um Tribunal de Guerra. Fui interrogado por um procurador militar e, dias depois, pelo tribunal, sempre sob a presença de agentes brasileiros. Eram muitos polícias e militares brasileiros. Já estavam aqui antes a monitorar a vida de cada brasileiro”, conta à Lusa o brasileiro Nielsen de Paula Pires, então estudante de sociologia em Santiago.
A ditadura brasileira, instalada em 1964, endureceu a partir de 13 de dezembro de 1968, com o famoso Ato Institucional n.º 5, a partir do qual se suspendiam as garantias constitucionais, abrindo o caminho para a prisão, tortura e morte de qualquer que ousasse questionar o regime militar. Cerca de quatro mil exilados brasileiros encontraram no democrático Chile uma tábua de salvação.
Assim que o socialista Salvador Allende ganhou as eleições em 1970, o Brasil viu uma ameaça comunista superior à de Cuba no continente. O Chile era mais próximo, tinha milhares de brasileiros exilados e Allende propunha uma via democrática ao socialismo, ao contrário da revolução armada com a qual a esquerda latino-americana pretendia chegar ao poder.
A partir de então, o Brasil, unido aos interesses dos Estados Unidos no contexto da guerra fria, procurou militares chilenos dispostos a derrubar Allende. Antes e depois do golpe, militares chilenos foram ao Brasil para receber treino.
Antes do golpe, empresários brasileiros eram incentivados a enviar dinheiro para grupos de direita chilenos que conspiravam contra a democracia, como o fascista Patria y Libertad.
O então embaixador do Brasil no Chile, Antônio Cândido Câmara Canto, articulava os interesses do Brasil no golpe e tinha linha direta com Pinochet.
“Câmara Canto era o como 5.° membro da Junta Militar. Na noite do golpe, brindou com champanhe junto com os golpistas”, conta à Lusa o sociólogo Ricardo Azevedo, coordenador do coletivo “Viva Chile” que levou 145 brasileiros a Santiago 50 anos depois.
“De repente, no estádio começaram a circular negros e, no Chile, não havia negros. Eram agentes brasileiros atrás dos brasileiros exilados. Havia todo tipo de tortura”, recorda o sociólogo.
Em 13 de setembro de 1973, dois dias após o golpe no Chile, o Brasil tornou-se o primeiro país a reconhecer o regime de Pinochet.
Além de linhas de crédito, o Brasil tornou-se o principal importador do cobre chileno.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros do Brasil e a embaixada brasileira no Chile sabiam da situação dos 105 brasileiros que passaram pelo Estádio Nacional durante aquelas primeiras semanas do golpe. Porém, alinhados com a ditadura chilena, não deram proteção aos seus cidadãos.
“Aqueles foram tempos tenebrosos que, graças a Deus, ficaram para trás. Antes havia colaboração para o mal; hoje, a colaboração que temos é para o bem. E o exercício da memória é a forma de consolidarmos ainda mais nosso futuro em comum”, diz à Lusa o ministro da Justiça do Brasil, Flávio Dino, em visita ao Chile no contexto dos 50 anos do golpe de Estado de 11 de setembro de 1973.
Na semana passada, o Brasil pediu perdão por ter ajudado Pinochet a dar um golpe. O embaixador brasileiro no Chile, Paulo Pacheco, admitiu a cumplicidade entre as ditaduras e, emocionado, pediu desculpas pela falta de assistência aos brasileiros.
“A Embaixada do Brasil, naquele período, esqueceu-se de uma das suas principais atividades, a de dar assistência aos seus nacionais. Com isso, permitiu que abusos e torturas fossem cometidos contra brasileiros. Então, pedimos desculpas e reafirmamos o compromisso com assistência aos nossos nacionais no exterior”, diz à Lusa o embaixador.
A Semana com Lusa