A primeira a ser constituída aqui nas nossas ilhas foi a CONGROG – Confraria do Grog de Santo Antão – fundada a 01 de Abril de 2008 e publicada no B.O. nº 47 III Série de 21.11.2008, tendo realizado seu I Grande Capítulo nos dias 21 e 22 de Março último com a presença de várias delegações estrangeiras e com elevada participação das populações locais.
Como nos sentimos na obrigação de colaborar no aparecimento de confrarias em todas as ilhas, aqui deixamos alguns princípios que devem nortear a constituição de uma Confraria:
• Ter como fundamento a existência de um produto de referência, de um prato ou bebida com história, de uma região com identidade própria, que se pretende promover ao nível da gastronomia, da cozinha tradicional e da sua cultura.
• A assunção destes propósitos e da consciência de que a Gastronomia é parte integrante do Património Cultural.
Durante o I Grande Capítulo da nossa Confraria registaram-se alguns momentos de relevo e marcante solenidade, tais como:
Bênção das insígnias pelo pároco das freguesias de Nª Srª do Rosário e de Nª Srª do Livramento;
• Apresentação de Bandeira e Estandarte;
• Entronização de novos confrades;
• Oração de Sapiência, proferida pelo confrade fundador, José Pedro Oliveira, da qual retiramos o seguinte extracto:
Contamos envidar esforços a favor de uma prática que sirva de bom exemplo para as demais confrarias que desejamos venham a proliferar de Santo Antão à Brava, envolvendo-se de espírito e alma na recuperação pormenorizada de cada retalho da cultura do nosso povo, para cumprirmos a missão que nos foi legada pelos antepassados e podermos trespassar às próximas gerações, com muito orgulho, uma bandeira plena de caboverdianidade.
A Confraria do Grog de Santo Antão, humildemente e com muita responsabilidade, resolveu que era chegado o tempo de prestar uma merecida homenagem a um produto que, quando genuíno, se confunde com uma das armas de resistência das populações santantonenses frente às intempéries da sua história.
O Grog que se quer homenagear, valorizando-o, é aquele que foi perseguido como contrabando, levando à miséria e à desorientação total famílias inteiras, assim como à estúpida perda de vidas engolidas pelo mar neste famoso canal que nos separava e hoje nos une à vizinha S. Vicente.
Jovens empreendedores, à procura de uma primeira saída para a vida, pela calada da noite enfrentavam as ondas em minúsculos botes a remo e, inúmeras vezes Praia Formosa e Salamansa não representavam senão a ténue fronteira que a morte mantém com a vida. Quando assim era, lembro-me tão claramente, eu miúdo, os gritos de sofrimento saíam da profundeza destas belas e imponentes montanhas que, no entanto, se transformavam em fonte de horror.
O Grog que se quer homenagear, valorizando-o, é também aquele produto que, nos dias de hoje, vem sofrendo as mais diversas agressões de concorrência desleal, por parte de outros líquidos destilados a partir de matérias-primas de qualidade duvidosa, pondo em causa o bom nome e a excelência de uma bebida nobre, assim como a saúde pública sobretudo na camada mais jovem da nossa sociedade.
A CONGROG nasce com a distinta missão de alertar para a verdade sobre a matéria-prima da qual deve derivar o Grog, sobre a necessidade de se definir parâmetros para seu fabrico e respectiva comercialização.
Por ser originário de Santo Antão e se diluir em muitas das manifestações culturais desta ilha, não seria nenhum despropósito imaginar a criação de uma zona demarcada do Grog, genuíno com certeza, o que viria paralelamente reclamar a existência de um Instituto do Grog com a função de definir, fiscalizar e promover a sua Qualidade.
Crentes no futuro destas ilhas, como somos, estamos certos que o Grog, o Vinho e o Café do Fogo, os Queijos de algumas ilhas, entre outros produtos genuínos, receberão o cuidado e a dedicação daqueles que apreciam esses sabores tradicionais, assim como a defesa e o resguardo legal de instituições nacionais e locais.
A CONGROG, reunião de mulheres e homens idóneos que cresceram, muitos deles, a palmilhar descalços estas ribeiras, entende como ninguém a importância que tem para cada chefe de família mais um garrafão de aguardente ainda que para a sua obtenção não tenha concorrido a pura calda pontuada (fermentada) de cana-de-açúcar, essa mesma que foi plantada, regada e estrumada pelas mãos calejadas do camponês santantonense.
É em suma esta história que precisa ser bem contada e tida em consideração por toda a sociedade que deve ser solidária sem, no entanto, deixar de ser séria.
É urgente e importante que todos neste país entendam que o Grog e todos os outros tipos de bebidas destiladas têm o forte apoio da CONGROG para coexistirem desde que seja salvaguardado o interesse final da colectividade. Isto é, a CONGROG empenhar-se-á na defesa da qualidade do Grog que deve ser produzido única e estritamente a partir do suco fermentado da cana-de-açúcar, sem se opor à produção de todo o tipo de bebidas destiladas desde que haja regras, para todos e a bem de todos.
É também importante realçar, aqui e agora, que os organismos públicos devem jogar um papel predominante no estabelecimento de um marco para o desenvolvimento da qualidade de todo e qualquer produto a ser consumido, inclusive a do Grog.
Desse Grog que nasceu nesta ilha por volta dos finais do século XVIII, quando ainda a cana era toda destinada à produção do açúcar.
Conta-se que um francês terá trazido um pequeno alambique de cobre de onde se extraía uma bebida que punha qualquer homem a cambalear.
Foi instalado na localidade de Casal, na Ribeira Grande, e terá sido o ponto de partida do GROG, três séculos após a introdução da cana sacarina no Algarve, tendo passado pelos Açores e Madeira, antes de chegar a Santiago de Cabo Verde, no ano de 1508 juntamente com outras variedades agrícolas que eram trazidas para se adaptarem ao clima tropical antes de transferidas para o Brasil.
Pois, a mesma aguardente já se fabricava noutras paragens do então império português, nomeadamente na ilha da Madeira e, também, aqui ao lado nas ilhas Canárias.
Ponto assente é que se o Grog fosse hoje solicitar um B.I., qualquer Conservatória de Registo Civil, lhe daria como naturalidade a ilha de Santo Antão.
Mas o verdadeiro problema não está no Grog nem nunca esteve.
Está sim em nós Santantonenses que sempre tivemos alguma dificuldade em valorizar aquilo que é nosso e, diria mesmo, que somos especialistas em facilitar que boas parcelas do nosso património cultural sejam registadas com outras naturalidades.
Isso é histórico e continua bem presente!
Parece que carregamos este fardo desde o povoamento que terá sido um dos mais conturbados de todas as ilhas do Arquipélago, tendo mesmo a ilha de Santo Antão sido incluída num pacote com as ilhas açorianas do Corvo e das Flores, doado pelo rei Filipe I de Espanha, em 1593, a Francisco Mascarenhas com o titulo de conde de Santa Cruz das Flores, sucedendo a partir daí a família – os condes de Santa Cruz, até 1724.
Um forte e fraterno abraço aos açorianos aqui presentes. Afinal já estivemos debaixo do mesmo comando por mais de uma vez na história.
O toma lá, dá cá, entre essa família e a Coroa Portuguesa ainda continuou até o ano de 1759, mas isso são longas histórias para outros momentos.
A história das populações desta ilha tem sido dura e injusta, e nunca poderemos apagar da memória o sofrimento a que têm sido sujeitas com realce para a página mais negra do século XX, quiçá da nossa historia, exactamente o biénio 1946/47 em que cerca de 50% dessa população foi exterminada por uma fome que é, de todo, incompreensível.
Se é que exista alguma compreensível!
Nessa data, a ilha tinha uma população que se aproximava da dos dias de hoje: 44 mil habitantes tendo desaparecido no desastre mais de 20 mil, por estúpida insensibilidade, infelizmente, própria da raça humana.
Mas, apesar de todos esses espinhos de “obroi” o santantonense prosseguiu a sua caminhada pelas ladeiras e topos destas montanhas, sempre com um groguinho no barquine de pele curtida de cabra, no buli de cabaça ou, modernamente, na garrafa.
O Grog, esse que é razão da CONGROG, foi sempre um companheiro digno do santantonense, nas horas mais marcantes de sua vivência:
• no nascimento de uma criança;
• no velório de um morto;
• na comemoração da chegada dos primeiros pingos de chuva;
• na faina do milho desde a sementeira até à colheita.
O que é um santantonense sem um grog para oferecer ao seu visitante?
Ou para mandar de encomenda ao parente ou amigo que está lá fora à busca de vida melhor?
Senhoras e senhores,
Confrades e amigos,
É esse Grog de celebração, produzido cuidadosamente pelo homem destes vales profundos, que a CONGROG decidiu homenagear como sendo parte inquestionável da cultura do povo desta ilha.
E a CONGROG aproveita esta oportunidade única para, solenemente, se comprometer publicamente como parceira na construção de uma sociedade santantonense livre do alcoolismo e de outros excessos, assim como promotora de tudo que seja produto genuíno desta ilha – tal é o Grog de cana-de-açúcar.
José oliveira