O sistema judicial do Império do Japão agora terá de contentar-se com os dois homens que subtraíram o réu ao julgamento há um ano. Os dois americanos que ajudaram a fuga de Ghosn e infligiram um golpe no funcionamento da justiça japonesa — muito ciosa dos seus quase 100 por cento de sucesso na acusação.
Michael e Peter Taylor, pai e filho, recorde-se, orquestraram a fuga hollywoodesca do ex-homem-forte da parceria automobilística franco-japonesa. Carlos Ghosn derrubado do pedestal de herói nacional, onde o Japão o tinha colocado devido às proezas na gestão da Nissan, foi preso pela primeira vez em novembro de 2018. Após entradas e saídas da prisão acabou por obter liberdade sob fiança. A sua aparatosa fuga, épica, ficará na história das grandes evasões.
Os americanos Taylor vão agora sofrer os rigores da prisão Kosuge, a mesma a que subtraíram o seu cliente líbano-franco-brasileiro. Eficientemente como era de esperar deste duo de peritos em segurança, que trabalharam para governos, operando nas duas margens, a da legalidade e o seu oposto. Desta vez foram apanhados e arriscam-se a um máximo de três anos de prisão por ajudar "a fuga de um criminoso".
O ex-potentado da Renault-Nissan e Mitsubishi — a viver em Beirute desde a espectacular fuga de janeiro de 2020 — bem que tentou evitar a extradição, com as suas declarações ao tribunal de Boston sobre "abusos de direitos humanos" que esperavam Michael Taylor, de 60 anos, e o filho Peter, de 28 anos.
Mas ao fim de nove meses de contenda legal, o tribunal de Boston deferiu em outubro o pedido das autoridades japonesas. O departamento de Estado na administração Trump não tinha como desagradar o Japão, poderoso aliado diante do arqui-rival que é a China.
"Se tivesse sido sob Biden, tudo se passaria de modo diferente", analisa o estratega que "tinha a certeza de que a extradição não ia acontecer", em entrevista ao Business Today.
Acusação, prisões, fiança e fuga
Segundo a agência de notícias nipónica Kyodo, Ghosn foi acusado de ocultar remunerações no valor de 44 milhões de euros, nos cinco anos anteriores à sua primeira detenção, em novembro de 2018. Foi libertado em fevereiro seguinte, mas voltou a ser preso.
Da última vez, saiu sob fiança de um bilião e meio de ienes ($13,8 milhões de dólares) — valor que entra para os cofres do tesouro japonês.
As câmaras de videovigilância omnipresentes em Tóquio mostram Carlos Ghosn a sair de casa às duas da tarde. No rosto, uma máscara muito comum na poluída capital japonesa — na era pré-Covid.
Menos de um quilómetro à frente, entrou no hotel. Tudo ficou gravado sem levantar suspeitas, em plena quadra de Ano Novo, a festa mais importante no país, diz o Japan Times.
Dois hóspedes do hotel saem uma hora depois. Duas volumosas malas (como na foto), o habitual para transportar os sistemas audio das festas techno. Viajam quinhentos quilómetros até ao aeroporto de Osaka onde têm à sua espera o avião em que o fugitivo voa para a liberdade.
O outrora superpresidente da Nissan-Renault-Mitsubishi teve tempo para delinear a sua fuga. O timing certo, que foi tentar a fuga apenas depois de provar que não o faria. O contrato com os dois peritos em segurança. O avião fretado em Istanbul e pago em Dubai.
Sob mandato internacional
Em janeiro do ano passado, foram emitidos dois mandatos de captura contra Ghosn e a esposa. Adeus às viagens, às estadas nas casas do Rio, Nova Iorque, Paris, Mónaco ... Têm assim de se manter nos limites do Líbano, agora o seu porto seguro.
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Fontes: Japan Times/outras referidas. Relacionado: Crise Nissan-Renault: Ghosn faz revelações após fuga do Japão com malão e máscara, 08.jan.020.; Crise Nissan-Renault: Pai e filho detidos nos EUA como cúmplices de Ghosn fugido do Japão com malão e máscara, 21.mai.020. Fotos (Reuters) : O encerado escondeu pai e filho dos flashes dos paparazzi, no aeroporto Narita-Tokyo, na quarta-feira.