OPINIÃO

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Diáspora, Cultura e Empreendedorismo: o caso de Lauryn Teixeira 02 Outubro 2023

A cultura é a cola para um envolvimento eficaz e sustentável com e na diáspora, e esta narrativa deve estar no centro da programação e da política relativa à mesma. Quando Cabral referiu-se à importância da cultura na história de um povo, ele defendia o desenvolvimento de uma cultura nacional baseada na história, nas conquistas do nosso povo, no desenvolvimento de uma cultura científica, técnica e tecnológica compatível com o progresso.

Por:Miriam Dembo*

Diáspora, Cultura e Empreendedorismo: o caso de Lauryn Teixeira

“Educar-nos: Educar outras pessoas, a populacão em geral, para combater o medo e a ignorância”. “A cultura é simultaneamente o fruto da história de um povo e um determinante da história”. Passados 48 anos da independência nacional, estas palavras de Amílcar Cabral merecem uma reflexão no contexto da diáspora cabo verdiana.

Na Conferência Internacional das Comunidades realizada em 2021, o Ministro da Cultura frisou que “o nosso sonho é ter cidades europeias, cidades mundiais, para apresentarmos as nossas investigações, as nossas realizações e dialogar ao mais alto nivel a partir da cultura. É esta a visão, a cultura não apenas como o debate do mercado da saudade, mas como a excelência do povo cabo verdiano”.

O caso de Lauryn Rose Teixeira, uma jovem de 10 anos da diáspora cabo verdiana do Reino Unido, autora do livro “Lauryn, Esta Sou Eu: A Jornada de uma Poderosa Menina Africana” é um exemplo de como a diáspora continua a consolidar-se como criadora enquanto utiliza a cultura cabo verdiana como uma espécie de diplomacia junto de públicos estrangeiros. O evento de lançamento, patrocinado pelas empresas britânicas Crayola e Ultra Education, ocorreu em Londres e contou com o apoio da Associação Cabo Verdiana do Reino Unido e do grupo Cultura Cabo Verde UK, reunindo personalidades públicas britânicas e lusófonas. Num evento que incluiu várias manifestações da cultura cabo verdiana, ficou claro que a cultura é onde as redes de relacionamento florescem no engajamento da diaspora numa cidade mundial como Londres.

O livro conta-nos a história de Lauryn, uma menina orgulhosa das suas origens. A sua mãe é de Cabo Verde e o pai de São Tomé e Príncipe. Ela partilha a sua experiência de ser criada numa famiia monoparental, após o seu pai abandonar o lar durante a pandemia da Covid-19. Lauryn vem de uma longa linhagem do legado de Cabral, afirmando que o seu “tetravô, Amílcar Cabral, foi um revolucionário que lutou pela independência de Cabo Verde”. Nas suas palavras, “muitas pessoas não sabem sobre Cabo Verde, muitas vezes nem aparece no mapa. Com o meu livro, quero mostrar a nossa cultura, a nossa riqueza, a nossa herança e que somos um povo lindo”.

Refletindo na declaração de Cabral sobre educar-nos e educar outros, Lauryn é apenas um dos exemplos de como a diáspora faz parte deste processo de transformação de mentalidades, usando a educação como ponto de viragem para conquistar o seu lugar como interveniente chave para os seus países de origem. Ela levanta assuntos sociais como a representatividade da cultura afro-portuguesa e de como ela é necessária para que as criancas possam saber a sua história, contada por nós, e não pelos outros. O motivo que levou Lauryn a escrever este livro foi a ligação cultural que ela desenvolveu com o país da mãe. Todos os sábados, ela participa em várias atividades que ensinam-lhe a língua, a danca, e as tradições de Cabo Verde. Isto revela como o trabalho cultural de engajamento da diáspora é muitas vezes o herói silencioso do setor.

A realidade é que apesar dos esforços contínuos da diáspora em promover a cultura como “excelência do povo cabo verdiano”, o investimento institucional na promoção da cultura e o seu reconhecimento como conhecimento e como diplomacia ainda deixa muito a desejar. Numa tendência que se observa há décadas, a promoção da cultura às novas geracões está completamente a mercê da iniciativa privada, traduzida em esforcos tanto individuais como associativos, que incluem o uso de recursos próprios. Com a cultura faz-se diplomacia, e enquanto que as várias diásporas cabo verdianas continuam integradas a promover a dinamização cultural das futuras gerações, o discurso governamental de considerar a diáspora nao apenas como remessas, mas como potencial de afirmação internacional de Cabo Verde continua a ser apenas uma narrativa sem aplicação prática. É essencial ter em mente que a longo prazo, a contribuição das futuras gerações da diáspora cabo verdiana vai depender em grande parte da promoção e manutenção daquele que é o primeiro elemento de uma diáspora: a identidade cultural, definida pela história e pela cultura.

O caso de Lauryn é um exemplo de como pode-se acrescentar a nossa história através da utilização da nossa heranca cultural de uma forma positiva que promova os três pontos do triângulo: Diáspora, Cultura e Empreendendorismo. Esta geração carrega consigo a caboverdianidade e não hesita usar a cultura dos seus pais como motivação para transformar e inovar. Lauryn usou a educação da Ultra Education, uma organização que ensina técnicas de empreendendorismo a jovens, capacitando-os para libertar o seu potencial e adquirir competências que os moldarão em futuros empresários. Esta e uma evidência de como as diásporas cabo verdianas podem utilizar o mercado internacional para desenvolver atividades empresariais enquanto utilizam as suas ligações culturais de uma forma positiva que promove o empreendedorismo. Considerada oficialmente a mais jovem autora de origem afro-portuguesa a publicar um livro no Reino Unido, Lauryn foi premiada pela Instituição Descendants e entrevistada pela BBC Africa, abrindo portas para que o Reino Unido conheça mais sobre Cabo Verde.

É inegável, portanto, que o foco deve ser feito na criação de relacionamentos, e não em transações económicas. O conceito de Diáspora é cada vez mais equivalente a influência, e a diplomacia que exerce acontece todos os dias nas nossas comunidades, na educação e na indústria. Oferecendo ricos pontos evocativos de contato com o passado, a cultura é fundamental para os jovens da diáspora reafirmarem um sentimento de pertença e construírem a sua identidade. Devidamente apoiado, o envolvimento dos jovens da diáspora com o seu património cultural oferece um grande potencial de inovação, criatividade e empreendedorismo em vários setores económicos, mas para tal, é necessária a inclusão e o reconhecimento das necessidades a nível da elaboração de políticas.

A cultura é a cola para um envolvimento eficaz e sustentável com e na diáspora, e esta narrativa deve estar no centro da programação e da política relativa à mesma. Quando Cabral referiu-se à importância da cultura na história de um povo, ele defendia o desenvolvimento de uma cultura nacional baseada na história, nas conquistas do nosso povo, no desenvolvimento de uma cultura científica, técnica e tecnológica compatível com o progresso. A cultura enquanto uma determinante da história, carrega um caráter transformador, podendo abrir portas para Cabo Verde conquistar o seu lugar no mundo e posicionar-se onde quer estar.

Está na hora de coagitar-se uma política de negócios estrangeiros inteligente nesta era de networking. A diplomacia da diáspora tem potencial para emergir como uma inovação política inteligente e de baixo custo para a Cabo Verde, que pode ter um impacto significativo e mensurável no país e no estrangeiro. Além disso, à medida que os cenários da diplomacia e da política externa mudam diante dos nossos olhos, Cabo Verde terá de ser criativo e inovador naquilo que traz à mesa do mundo para alcançar as suas ambições para a política interna e externa. É por isso que a diplomacia cultural é indispensável em qualquer forma de envolvimento para com as nossas comunidades. Está na mão da diáspora continuar a educar os públicos estrangeiros sobre o nosso pais. Contudo, o estatuto da cultura como a “excelência do povo cabo verdiano”, dependerá da disposição das nossas instituções governamentais em apoiar o trabalho extensivo de diplomacia feito pela diáspora, que, afinal, é quem merece o crédito pelo estatuto de nação global.
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*Director of Communications
Cape Verdean Association UK

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