Publicado na “prestigiada” PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences), revista da Academia Americana de Ciências, o estudo, realizado com a colaboração do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), teve como objetivo, avaliar a capacidade de reorganização do cérebro na fase inicial de uma doença neurodegenerativa, a doença de Parkinson, e insere-se numa estratégia de estudar a capacidade que o cérebro tem de se readaptar ao longo da vida na saúde e na doença.
Para tal, a equipa, que também integra investigadores do Coimbra Institute for Biomedical Imaging and Translational Research (CIBIT) e do Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS), combinou de forma única, um conjunto de métodos funcionais e moleculares de imagem que permitissem avaliar os movimentos oculares, uma função que na doença de Parkinson está alterada muito precocemente, dos participantes no projeto durante a realização de tarefas muito simples.
Conforme Miguel Castelo-Branco, através de uma nota enviada ao asemanaonline, o resultado deste estudo é surpreendente “porque a plasticidade foi demonstrada a nível funcional e molecular no cérebro adulto, que se pensa ter menor plasticidade que o cérebro jovem. Para além do mais, este efeito foi observado numa fase inicial de uma doença neurodegenerativa, a doença de Parkinson. Isto mostra as reservas de compensação que o nosso cérebro tem, mesmo na adversidade”.
Sabe-se que os sistemas visual e motor se modificam na doença de Parkinson, o artigo agora publicado, que tem como primeira autora a investigadora do CIBIT Diliana Rebelo, demonstrou duas coisas: que a falência do sistema de execução de movimentos oculares é compensada nas fases iniciais da doença pelo recrutamento aumentado da parte do sistema visual que os programa.
Os autores do estudo descobriram ainda, usando a técnica de PET (tomografia por emissão de positrões), um mecanismo molecular que explica esta compensação funcional ao nível das estruturas que estão na base da comunicação entre os neurónios: as sinapses. Verificou-se que os níveis de um tipo de recetores (D2) de dopamina, que é a molécula chave na doença de Parkinson, ajustavam-se em várias partes do cérebro, relacionadas com a programação de movimentos oculares. Esse ajustamento tinha uma relação íntima com o padrão de compensação funcional encontrado.
“De forma mais simples, podemos dizer que há uma espécie de reorientação dos circuitos oculares, de reformação de conexões, mesmo a nível molecular. É quase como se houvesse um shift para a parte mais posterior do cérebro”, ilustra Miguel Castelo-Branco.
A descoberta de um elo entre plasticidade sináptica e reorganização da atividade cerebral na doença de Parkinson abre caminho para, em trabalhos futuros, se entender os limites da reorganização do cérebro adulto e na aplicação à reabilitação neurológica, informa a equipa em comunicado.
O docente da FMUC esclarece que este estudo demonstra que a reabilitação em doentes de Parkinson é possível. “Estes resultados podem ter impacto para atrasar o declínio. Por outro lado, este trabalho também nos dá informação sobre o efeito dos fármacos, isto é, fornece informação que pode ser relevante para a terapêutica, porque a dopamina é a molécula central na doença de Parkinson. Ao olharmos para os mecanismos de compensação molecular, ficamos com muito mais informação sobre os efeitos terapêuticos dos fármacos, nomeadamente dá pistas para ajudar a prevenir efeitos secundários associados à terapêutica”, conclui a mesma fonte.