"Foi com estupefação que o Governo tomou conhecimento das declarações proferidas (...) pelo presidente do PAICV a respeito das relações entre Cabo Verde e o Reino de Marrocos", refere uma declaração escrita do ministro dos Negócios Estrangeiros caboverdiano, Rui Figueiredo Soares, enviada à comunicação social.
"Em primeiro lugar, temos de dizer que a política externa deste Governo não é, nem pode ser, a política externa do PAICV", lê-se na declaração, que acrescenta: "Mesmo assim, convém dizer que o congelamento das relações com a RASD aconteceu no tempo do último Governo do PAICV".
O presidente do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição desde 2016), Rui Semedo, criticou na quinta-feira o reconhecimento territorial de Marrocos anunciado pelo Governo, liderado pelo Movimento para a Democracia (MpD), por ser uma "mudança profunda" e sem consulta, face aos compromissos assumidos internacionalmente.
"O conteúdo deste pronunciamento representa uma mudança profunda da política externa de Cabo Verde", afirmou, em conferência de imprensa, na Praia, Rui Semedo, aludindo a compromissos de Cabo Verde, vinculado através das Nações Unidas a um posicionamento formal sobre o processo da autonomia e independência da República Árabe Saaraui Democrática.
"Com efeito, o PAICV alega hipotético desconforto de Cabo Verde decorrente da evolução da sua posição em relação à questão do Saara Ocidental, mas ignora que hoje grande parte dos países africanos retiraram ou suspenderam o seu reconhecimento da RASD", acrescenta-se na declaração do chefe da diplomacia caboverdiana.
O ministro refere ainda que o PAICV "ignora que destes países, 21 já instalaram representação consular em Lâayoune ou Dakhla, sendo 10 deles membros da CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental] e da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]".
"Na verdade, estes números permitem afastar liminarmente a ideia de que a elevação do nível de relacionamento com o Reino de Marrocos pudesse causar algum embaraço a Cabo Verde. Ocorre é o contrário", afirma ainda.
O primeiro-ministro caboverdiano, Ulisses Correia e Silva, presidente do MpD, iniciou na terça-feira a sua primeira visita oficial a Marrocos, com o Governo a reconhecer a "integralidade territorial" marroquina.
Segundo uma nota do Governo caboverdiano, a visita, a convite do chefe do Governo de Marrocos, que termina hoje, "constitui um marco importante nas relações entre os dois países", marcada pela realização da segunda Comissão Mista Cabo Verde - Marrocos, em Rabat, sob o tema "Construindo uma Nova Era de Cooperação e Parceria Estratégica e Pragmática entre Cabo Verde e Marrocos".
Segundo a mesma nota, "a visita ocorre num momento especial das relações entre Cabo Verde e Marrocos, com a formalização do reconhecimento da integridade territorial do Reino de Marrocos por Cabo Verde, entre outras iniciativas que reforçam a base política e diplomática para a exploração e o desenvolvimento da cooperação entre as duas nações".
Rui Semedo disse ainda estranhar que "uma decisão desta grandeza seja anunciada, por esta via não oficial, fora do país, sem um prévio diálogo ou debate com os caboverdianos e sem qualquer informação à oposição parlamentar, designadamente, ao PAICV", criticou ainda.
"A postura do PAICV, como pudemos ouvir da boca do seu presidente, está marcada por pressupostos ideológicos, que ficaram patentes relativamente à questão do Saara Ocidental e à não condenação da invasão da Ucrânia pela Rússia", aponta ainda a resposta do ministro dos Negócios Estrangeiros, que está em Marrocos, a acompanhar a visita liderada pelo primeiro-ministro.
Na comunicação de Rui Semedo, o líder da oposição cabo-verdiana lembrou que o "grande impasse" criado pelas reivindicações territoriais de Marrocos e a guerra que se alastrava naquela região, suscetível de ameaçar a paz naquela zona no norte da África, levou anteriormente as Nações Unidas a decidir pela consulta do povo saaraui, através de um referendo, e que Cabo Verde considerou "realista e pertinente" alinhar-se com esta posição.
Daí que, para o presidente do PAICV, o anúncio do Governo marca o afastamento de Cabo Verde da posição assumida anteriormente pelo país, defendendo que o mesmo deveria ser feito com "responsabilidade, profundidade, clareza, coerência e com elevado sentido de Estado".
"O Governo reafirma o entendimento de que a realização da visita em curso do senhor primeiro-ministro a Marrocos, incluindo a segunda Comissão Mista, representa um momento alto na construção de uma parceria forte, de uma nova era, abrangente e de longo prazo entre Cabo Verde e Marrocos. E esta nova era foi sublinhada pelos governos dos dois países", conclui o ministro Rui Figueiredo Soares.
A Semana com Lusa