“Temos um grande problema, por não ter um local ou um estaleiro próprio onde poderíamos armazenar e guardar os materiais. O que acontece é que deixamos tudo ao relento e depois reaproveitamos o possível, que não é muito”, explicou à Lusa Ronise Évora, a autora do enredo deste ano de Estrela do Mar, um dos quatro grupos oficiais do Carnaval de São Vicente, que sai às ruas do Mindelo na terça-feira, com milhares de foliões.
Após dois anos de ausência devido às restrições impostas pela pandemia de covid-19, os desfiles de Carnaval regressam em 2023 a Cabo Verde, com a festa de São de Vicente a ser montra, apesar das dificuldades financeiras dos grupos oficiais, cujo orçamento global ultrapassa os 43 milhões de escudos (391 mil euros).
“Não tenho ideia de quanto poderíamos poupar. Porém, os andores levam muito material que se fosse devidamente guardado nos anos seguintes poderia ser transformado. Para um grupo como o ‘Estrela’, é muito dinheiro”, enfatiza.
Cada grupo recebe do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas e da Câmara Municipal de São Vicente 3,5 milhões de escudos (31.800 euros) e a fatia restante tentam cobrir com a realização de eventos ao longo do ano, patrocínios, quotas de sócios e amigos que fazem doações.
Ronise Évora garante que há muita carência de produtos para ornamentar o desfile, pelo que os carnavalescos têm tido preocupação em se adaptar às condições para que na terça-feira tudo saia como previsto, num desfile de várias horas e com milhares de foliões.
O grupo Estrela do Mar gastou 11 milhões de escudos (100 mil euros) para preparar este desfile, nomeadamente com trajes, carros alegóricos e despesas com pessoas, enquanto o grupo carnavalesco de Monte Sossego aprovou o valor para 2023 de 12 milhões de escudos (109 mil euros), o Flores do Mindelo pouco mais de oito milhões (73 mil euros) e o Cruzeiros do Norte 12 milhões de escudos (109 mil euros).
O Flores do Mindelo é um dos grupos oficiais mais antigos a desfilar no Carnaval deste ano em São Vicente e vai abrir os desfiles da terça-feira.
Tem como sede o Quintal das Artes, onde ensaia os foliões, mas também não consegue reaproveitar os materiais, caros e escassos no mercado.
“O trabalho dos anos anteriores, os andores, estão todos danificados, porque não temos onde guardar o produto após o Carnaval e estamos a falar de uma altura em que estivemos três anos sem carnaval”, sublinha à Lusa a presidente do Flores do Mindelo, Ana Gonzalez.
Este ano todos os quatro grupos enviaram ao Brasil representantes para realizarem compras para o Carnaval, o que fez com que aumentasse ainda mais a diversidade de matéria-prima para a preparação dos desfiles.
“Foi bom pela experiência, podermos ter acesso a mais material, mas mesmo por lá todos os produtos, apesar de mais baratos do que aqui, aumentaram igualmente de preço”, explica o presidente do grupo Cruzeiros do Norte, Jailson Juff.
Este grupo é o atual campeão do Carnaval de São Vicente e preparou nas últimas semanas um trabalho “a partir do zero” por não ter estaleiro e devido a outros contratempos que surgiram.
“Estamos a fazer tudo de novo porque roubaram-nos todos os materiais que tínhamos, uma vez que o lugar onde deixamos o trabalho é aberto. Só em material de madeira e ferro perdemos mais de 600 mil escudos [5.500 euros]”, garante Jailson Juff.
A crise provocada pela pandemia e a escalada de preços após a guerra na Ucrânia fizeram-se sentir também na preparação do Carnaval de 2023, com os custos dos materiais a disparar, condicionando a vida destes grupos.
“Sentimos que as pessoas querem desfilar, mas não conseguem por causa de condições financeiras que estão a cada dia mais complicadas. Em relação a preços dos produtos, houve um aumento de três vezes mais, de todos os materiais relacionados com a preparação do Carnaval”, referiu Jailson Juff.
Em 2023, os quatro grupos vão desfilar na noite de terça-feira no Carnaval de São Vicente, por entre ruas transformadas provisoriamente num sambódromo procurado por milhares de cabo-verdianos e turistas. A Semana com Lusa