"Memórias de uma Mulher Cabo-verdiana" é o nome do livro, uma iniciativa da Câmara Municipal de Oeiras, concelho onde a artista reside há 47 anos, e que será lançado quarta-feira em Paço de Arcos, no Dia Nacional da Cultura e das Comunidades cabo-verdianas.
Maria Alice Fernandes, uma pintora naif que possui obras em coleções privadas e museus de pintura em Portugal e outros países, tem dedicado a maioria dos seus 84 anos a promover a cultura cabo-verdiana, enriquecendo-a com a portuguesa, já que se confessa perdida entre “dois amores”.
“Às vezes estou aqui em Portugal a sofrer com saudades de Cabo Verde, da minha ilha de Santiago, mas quando lá passo algum tempo, mal aguento com saudades de Paço de Arcos”, contou à Lusa.
A artista, que em 2008 foi agraciada com a “Medalha de 1ª classe do Vulcão” pela Presidência da República de Cabo Verde, em reconhecimento ao seu trabalho em prol da promoção da cultura cabo-verdiana na diáspora, encontra muitas semelhanças entre Paço de Arcos (Oeiras) e a cidade de Praia, a começar pela proximidade do mar.
E sempre que se junta com outras mulheres, muitas delas antigas alunas que em crianças aprenderam as artes da costura e dos bordados com a “dona Alice”, vivencia uma grande felicidade que a conduz a décadas atrás, quando os bairros marcados pela pobreza se vestiam de festa para batizar uma criança ou celebrar um casamento.
“Os bairros de barracas, que felizmente já não existem em Oeiras, foram, apesar da pobreza, uma escola para muita gente que dava valor ao outro, ao vizinho, que arregaçava as mangas para ajudar o próximo e não se poupava na hora de festejar, contribuindo com o pouco que tinha”, disse.
Nessas e em outras horas, as mulheres “caprichavam” na cachupa e outros pratos, trazendo Cabo Verde a esses bairros portugueses e mantendo a tradição até aos dias de hoje, como conta Maria Alice Fernandes no novo livro.
E dá também conta de tradições curiosas, como a omnipresente babosa – internacionalmente conhecida como Aloé Vera - e que não pode faltar na casa de um cabo-verdiano, que a utiliza para variados fins, como no cuidado da pele, mas também na gastronomia.
Para o embaixador de Cabo Verde em Portugal, Eurico Monteiro, que estará presente na cerimónia de lançamento deste livro, Maria Alice Fernandes “escreve para gente atual, que está viva e que faz a sua vida quotidiana”, mas também relembra quem foram os cabo-verdianos no passado e que, em parte, ainda são.
“São importantes essas imagens da dona Maria Alice, imagens escritas, pictóricas, em quadros que ela faz com alguma simplicidade (naif), porque a prioridade é sobretudo dar a conhecer o nosso passado, as nossas tradições, dar a conhecer um pouco da nossa história, através de imagens dinâmicas vivas, coloridas, em letra ou em quadros, sejam em imagens do campo ou da cidade”, disse à Lusa.
Uma transmissão de saberes, e sabores, que dão “mais autenticidade a Cabo Verde, mais autenticidade à cultura cabo-verdiana”.
“Faz falta, sobretudo a esta nova geração, a esta juventude que muitas vezes não tem ferramentas para conhecer o que fomos e, em parte, o que ainda somos”, afirmou.
E acrescentou: “Muitas das nossas memórias, dos nossos tempos mais antigos, das nossas tradições, hábitos e costumes, as peças mais antigas, os artefactos mais antigos, encontramos essa memória mais viva, como que cristalizada no tempo, na nossa emigração”.
A Semana com Lusa