Esta segunda-feira em Tóquio, a nonagenária Hideko Hakamada falou em nome do irmão cuja saúde mental está deteriorada após tantos anos no corredor da morte.
"O novo julgamento terá de acontecer o mais rápido possível, dada a frágil saúde física e mental do Sr. Iwao Hakmada, sem ter de avançar para o Supremo", apelou o bastonário dos advogados japoneses. Esta entidade e a IA-Amnistia Internacional estão entre os apoiantes do antigo boxer profissional.
"Estamos mais perto de obter justiça. Digo ao meu irmão para ter fé de que vai ser inocentado". A irmã do meio duma fratria de três, Hikedo combateu ao lado do irmão mais velho, Shigeji. Mas com a morte deste em 2001 teve de continuar sozinha a cruzada por Iwao.
Em 2006, Hikedo pôde angariar apoios que se revelaram importantes para o combate pelo irmão cuja saúde cada vez mais de deteriorava. Foi em fins desse ano que quinhentos subscritores, incluindo os campeões do boxe mundial Koichi Wajima e Katsuo Tokashiki, dirigiram uma carta ao Supremo Tribunal do Japão a pedir um novo julgamento para o Iwao.
"Chocante" revelação. Meses depois, em março de 2007, Norimichi Kumamoto, que integrara o júri de três responsáveis pela sua condenação em 1966, saiu em defesa da inocência de Iwao. Afirmou mesmo que quatro décadas antes tinha ficado com dúvidas sobre a autenticidade da confissão e daí resultara uma sentença dividida, com a maioria a decidir pela pena capital.
Vencido enquanto membro mais jovem do trio, a consciência de Norimichi Kumamoto levou-o a demitir-se. Ainda procurou visitar na prisão Iwao Hakamada, mas não obteve a autorização.
Esta "chocante" revelação é inédita no sistema japonês que se apoia no espírito corporativo que proibe a publicitação das discussões havidas entre juízes. Segue-se daí que Norimichi Kumamoto está a ser alvo de críticas. Mas ele só lamenta não ter falado mais cedo.
1966. Iwao Hakamada entrou em casa do seu patrão e encontrou a família de quatro — o casal e dois filhos — mortos num incêndio. Sem outro suspeito, a polícia deteve-o para interrogatório.
O suspeito afirmou que era inocente, mas a polícia a decidiu mantê-lo preso com base em duas manchas de sangue na sua roupa — em resultado de ter procurado prestar socorro às vítimas.
Segundo os sucessivos recuros em tribunal, Iwao foi interrogado durante duzentas e sessenta e quatro horas. As sessões diárias duraram até dezasseis horas, sem intervalos para beber água ou ir à casa de banho. Ao fim das 264 horas em 23 dias, foi obrigado a assinar o que lhe ordenaram.
No julgamento Hakamada retractou-se da confissão, alegando a tortura a que fora submetido para confessar. Em vão, pois foi condenado à pena máxima: a morte por enforcamento.
1980. O ministro da Justiça recusou assinar a ordem de execucão alegando que tinha dúvidas sobre a culpa de Iwao.
Pouco depois, Iwao prometeu em carta ao filho: "Vais ter provas de que o teu pai nunca matou ninguém. A polícia sabe mais que ninguém que eu sou inocente e o juiz um dia vai sentir o peso da sua culpa. Eu vou quebrar esta cadeia de ferro e voltar para casa para estar contigo".
2 únicos do G7. O Japão é o último país do G7 a aplicar a pena de morte por enforcamento, o que aliás é apoiado pela maioria dos cidadãos e, porém, motivo de condenação em diversas instâncias mundiais de defesa dos direitos humanos.
O governo de Fumio Kishida realizou a última execução em julho do ano passado. Sete meses antes, em dezembro de 2021, ocorreram três execuções e o facto passou despercebido dos ’media’ internacionais.
Um mês antes, teve no entanto ampla difusão a notícia de que dois condenados tinham dado entrada no tribunal de Osaka de uma queixa contra o governo. Por um motivo inusitado: o facto de só serem avisados no mesmo dia em que a execução se vai realizar, o que constitui "tratamento desumano", "uma tortura infinita que pode durar décadas".
Perante a contestação dos países europeus e diversas organizações internacionais, o Japão defende o seu sistema — e obtém 85% de aprovação da população — alegando que as sentenças de morte, regra geral, apenas são impostas em casos de assassinatos múltiplos. Os mais raros casos de enforcamento de assassinos únicos só acontecem depois de avaliada a gravidade do crime.
O anterior executado, em 2019, foi um nacional chinês, Wei Wei, de 40 anos, que matou uma família de quatro pessoas durante um assalto em 2003. Esse estrangeiro, jovem imigrado no Japão para estudar a língua, esteve no corredor da morte durante dezassete anos.
Para a Amnistia Internacional, a execução desse quádruplo homicida — que se conta entre as trinta e nove realizadas nos sete anos do governo do ex-primeiro-ministro Abe — foi "uma vergonhosa mancha nos direitos humanos, um ano antes das Olimpíadas" (antes do adiamento do Tokyo’20 para 2021).
Atualmente, os cento e vinte e seis condenados à espera de execução — entre eles, a viúva-negra Chisako Kakehi, a serial-conjugicida (suspeita de onze mortes, o tribunal só a condenou por três) — põem o Japão muito atrás dos Estados Unidos, que dependendo das fontes conta 655 ou 2.005 no corredor da morte. A Amnistia Internacional aponta que estes são "os únicos países desenvolvidos e democráticos" que aplicam essa "vergonhosa" punição.
Os recordes da pena capital encontram-se, segundo a IA, na China — sem publicitação dos dados, as estimativas apontam para "milhares de execuções anuais". Seguem-se o Irão, Egipto, Iraque e Arábia Saudita.
Fontes: Japan Times/AP/... Relacionado: Japão: 126 condenados à forca esperam dezenas de anos — Viúva-negra condenada dificilmente será executada, 05.jun.021; Japoneses condenados à forca processam governo por ’tratamento desumano’, "sistema que mata em segredo", 05.nov.022; Japão: 4ª execução em 7 meses é de assassino de 7 em 2008, 27.jul.022. Fotos (AFP-Getty): No corredor da morte desde 1966, Iwao Hakamada está desde 2014 em prisão domiciliária.