Maxwell/’Suel’ foi preso em julho deste ano após a delação de Élcio Queiroz vir à tona, no mais significativo avanço do caso Marielle nos últimos anos. Ao responder ao tribunal na semana passada à pergunta da defesa de Suel sobre o porquê de, cinco anos depois do crime, ter "decidido fechar uma delação premiada", o ex-assessor de Fábio Bolsonaro acusou policiais civis de terem extorquido o principal suspeito Ronnie Lessa e manifestou confiança na investigação agora conduzida pela PF.
Queiroz depôs em tribunal sobre as horas que antecederam a execução do crime, "mediante pagamento" como confessou. Relatou como foi convidado por Ronnie Lessa — também ex-policial militar e principal suspeito das mortes — a dirigir um carro no dia 14 de março de 2018. O ex-membro da Polícia Militar disse acreditar que Lessa o chamou por "falta de confiança" em Maxwell para ser o motorista.
No seu encontro com Maxwell/’Suel’, ele e Ronnie Lessa entregaram os telemóveis ao ex-bombeiro e receberam o carro.
Durante o depoimento, Queiroz afirmou que os tiros que resultaram na morte da vereadora e do motorista Anderson foram disparados por Ronnie Lessa, que usou uma metralhadora.
Élcio Queiroz também depôs sobre o que foi feito para esconder vestígios do crime. Trocaram as placas de matrícula do veículo utilizado no duplo assassinato e picaram-nas, atirando os vestígios na linha férrea na zona norte do Rio. Por fim, entregaram o carro a um mecânico para que fosse feito o desmanche.
Sem qualquer "preocupação com segurança"
Três testemunhas de acusação ouvidas confirmaram que nem Marielle nem Anderson tinham expressado qualquer "preocupação com segurança". As viúvas Mônica Benício e Ágatha Arnaus Reis depuseram, respetivamente, uma que não sabia que a Marielle "recebia ameaças por atuação política"; a outra disse que Anderson, que estava a trabalhar com a vereadora havia dois meses, "nunca teve preocupação com segurança". Fernanda Gonçalves, assessora de Marielle que estava no carro no momento da execução, disse que a vereadora nunca mencionou ameaças ou disse estar preocupada com a segurança. Por causa do crime, Fernanda teve de deixar o Rio de Janeiro e hoje mora noutro Estado.
Errâncias da investigação à morte de Marielle
Em 2019, Ronnie Lessa, de 48 anos, foi preso pelo duplo homicídio e pelo crime de destruição de provas. Também foi detido "Élcio Vieira de Queiroz, de 46 anos, que dirigia o automóvel usado para o crime".
"Foram detidos numa operação conjunta do Ministério Público e da Polícia Civil do Rio de Janeiro, na madrugada de 12 de março de 2019", lê-se no site da Agência Brasil.
Em julho de 2021, um ano e quatro meses depois, Lessa é o único suspeito detido e destaca-se por ter sido de novo condenado pelo crime de destruição de provas. Pelo mesmo crime, a Justiça do Rio condenou mais quatro acusados — a esposa de Lessa, o cunhado e dois amigos.
Nesse mesmo julho de 2021, o miliciano Almir Rogério Gomes da Silva, natural de Rio de Janeiro que é apontado como o mandante do assassinato de Marielle em março de 2018, teve confirmada a prisão preventiva. Segundo as fontes terá sido Júlia Mello Lotufo a decidir, em delação premiada, revelar esse facto ao fim de mais de três anos (Marielle Franco: Miliciano mandante do crime é capturado, após delação premiada de ex-viúva de capitão Nóbrega, 14.ago.021);
Só a partir da delação premiada da viúva do miliciano Adriano da Nóbrega — morto em fevereiro de 2020 —, a ficha de Almir passou a incluir a participação no caso Marielle. Segundo Júlia Mello Lotufo, Almir liderava em Jacarepaguá, zona oeste do Rio, a milícia Gardênia Azul. Também em entrevista à revista Veja, no mês de julho, a delatora apontou que o líder da milícia Gardênia Azul era o mandante do crime executado por Lessa e Vieira.
Promotoras de Justiça discordam da delação. Segundo confirmou à imprensa o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, as promotoras Simone Sibílio e Letícia Emile, que desde outubro de 2019 estavam à frente do inquérito sobre o duplo assassinato, deixaram o caso em 2021.
O Ministério Público, segundo as fontes, terá indicado um novo promotor para trabalhar com as duas magistradas. Isto aconteceu depois que elas levantaram sérias dúvidas sobre a factualidade das delações apresentadas pela "viúva de Nóbrega". Sentindo-se desautorizadas, ambas preferiram sair.
Rachadinha que envolve Bolsonaro
Júlia Mello Lotufo é suspeita de lavagem de capitais. De acordo com investigações, ela cuidava do património do marido desde que Nóbrega fugiu para evitar ter de responder por um caso ligado à famosa "rachadinha" no gabinete de Flávio Bolsonaro (uma investigação que o presidente Bolsonaro mandou suspender).
Nóbrega, suspeito também de três homicídios, foi retirado em janeiro de 2020 da lista dos criminosos mais procurados. Elaborada pelo próprio ministro da Justiça, a lista foi via Twitter divulgada por Moro, que citou "critérios técnicos" seguindo orientações do próprio presidente. Jair Bolsonaro tinha em 2005 expressado apoio a Nóbrega, então preso por homicídio.
Nóbrega morreu num cerco policial em fevereiro de 2020. A sua viúva voltou a casar em 2021, com um outro suspeito de lavagem de capitais.
O presidente Bolsonaro reagiu violentamente às notícias que ligavam a sua família aos dois ex-militares envolvidos no duplo assassinato de Marielle e Anderson (Detidos pelo assassinato de Marielle Franco dois militares próximos dos Bolsonaros, 13.mar.019).
Fontes: UOL/Globo/CNN.br/... Relacionado: Brasil: ’Queima de arquivo’ poderá estar por trás da morte do ex-capitão Nóbrega ligado a Flávio Bolsonaro ..., 10.fev.020; "Rachadinha de Flávio Bolsonaro": Queiroz é detido em casa de advogado no interior de SP e entregue à Justiça do Rio, 19.jun.020; "Globo, canalhas e patifes querem acabar com o Brasil", reage Presidente à notícia de que suspeito da morte de Marielle esteve no condomínio de Bolsonaro no dia do crime, 31.out.019. Fotos: (Ao centro): Vereadora Marielle Franco. (À esqª) Bolsonaro e Queiroz. (À d.ta) Queiroz a ser detido, foto inserta com Flávio Bolsonaro.