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“Matar as cabeças” das milícias do Rio não deve ser o objetivo – investigadora 27 Outubro 2023

A investigadora Carolina Grillo defendeu que o foco das autoridades não deve ser “matar as cabeças” das milícias no Rio de Janeiro, pois a “espinha dorsal está nas atividades económicas” e na relação com o poder público.

“Matar as cabeças” das milícias do Rio não deve ser o objetivo – investigadora

“A espinha dorsal está nas atividades económicas e elas beneficiam as forças corruptas que são encarregadas da repressão desses grupos”, afirmou à Lusa a coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense.

“Não adianta prender ou matar as cabeças dessas organizações porque elas são prontamente substituídas”, defendeu, acrescentando que tal ação musculada apenas tende a desencadear disputas “sangrentas pela sucessão desses lideres mortos ou presos”.

Por essa razão, frisou Grillo, o foco da atuação deve ser centrado também em identificar “quem são os intermediários que articulam esses grupos com as instituições do Estado”.

Na segunda-feira, mais de 35 autocarros e um comboio foram incendiados em diferentes bairros da cidade, numa retaliação pela morte de Matheus da Silva Rezende, importante líder de uma milícia e sobrinho do principal líder dessas organizações, Luis Antonio da Silva Braga, conhecido como "Zinho".

Os autocarros foram intercetados por homens armados e incendiados em bairros populosos como Guaratiba, Campo Grande e Santacruz, vários deles controlados pelo grupo paramilitar. Uma dezena de pessoas foi detida.

Desde há uns anos, disse à Lusa a investigadora, a cidade vive “um acirramento das disputas entre grupos milicianos”, sendo que alguns estão a associar-se “a fações do tráfico de drogas para enfrentar os seus rivais”.

“Zinho”, disse Carolina Grillo, ordenou os ataques aos transportes públicos “como uma demonstração de força”, numa resposta à morte do sobrinho, “mas essa reação extremamente violenta de demonstração de poder tem de ser compreendida no momento em que o poder dessa milícia vem sendo desafiado por outras que disputam o controlo de alguns territórios”.

De acordo com um estudo do Instituto Fogo Cruzado e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, as milícias controlavam, em 2019, 25,5% dos bairros do Rio de Janeiro, totalizando 57,5% da superfície territorial da cidade (686,75 quilómetros quadrados).

Em 16 anos, as áreas dominadas pelas milícias cresceram 387%.

Surgidas nos anos 90, as milícias, muitas delas criadas por agentes públicos, contam com a participação de polícias militares e civis, ativos e na reserva, e vários dos seus membros ocupam cargos políticos, como vereadores e deputados estaduais, explicou a investigadora.

“Possuem tentáculos no Estado, mas são grupos organizados que extraem recursos das localidades parasitando numa série de mercados locais, sobretaxando as atividades económicas locais”, disse Grillo.

As suas atividades passam pelo mercado de transporte, fornecimento de água, energia, internet, TV por cabo, cabaz alimentar básico, ‘kit churrasco’, “além de cobrarem taxas para estacionamento de veículos, para uso do espaço público, para uso do espaço privado” para construir no terreno de casas particulares.

Estes grupos controlam também mercados lícitos como o da construção. “As milícias hoje em dia possuem empresas construtoras”, com número fiscal, detalhou Carolina Grillo.

A investigadora recorda que as primeiras milícias que surgiram no Rio de Janeiro utilizavam até uniformes próprios e apresentavam-se como “autodefesas comunitárias para fazer frente ao tráfico de drogas”, fazendo com que fossem consideradas pelas autoridades públicas “um mau menor”.

Após os ataques de segunda-feira, o governador do Estado, Cláudio Castro, veio a Brasília pedir ao Governo Federal ajuda das Forças Armadas no combate ao crime organizado e afirmou que “o endurecimento das penas é fundamental”.

Um dia antes, o Presidente brasileiro, Lula da Silva, descartou a possibilidade de uma intervenção militar direta no Rio de Janeiro, afirmando que não quer “uma pirotecnia (…) como já foi feita e não resolveu em nada”.

A intenção do Governo Federal passa por aumentar as equipas federais, em apoio ao estado e ao município.

Na opinião de Carolina Grillo, o apoio federal que seria necessário é na produção de inteligência, “de investigação para desarticulação desses grupos”, através do ataque às bases económicas dos milicianos.

Caso haja ajuda do Governo Federal, esta não deve ser de reforço de policiamento ostensivo, “como tem sido feito”, defendeu a investigadora, acrescentando que o foco deve ser “investigar as próprias polícias estaduais que notoriamente possuem envolvimento com essas organizações criminosas” e “desmantelar as relações entre essas organizações e o poder público estadual e municipal”.

Segundo Carolina Grillo, a segurança pública no Rio de Janeiro “encontra-se num completo descontrolo, desde que foi desfeita a secretaria de segurança pública”, em 2019.

“Polícia Militar e Polícia Civil tornaram-se instituições autónomas que não estão sujeitas ao controlo político e ao controlo democrático, não são obrigadas a prestar contas”, e isso acaba por favorecer a existência de “grupos corruptos dentro das polícias e que ganham muita força, já que eles podem utilizar a força estatal para realizar operações sem prestar contas à sociedade”, lamentou.

A Semana com Lusa

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