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Neruda foi assassinado? — Corpo tinha botulínico "de alta toxicidade", conclui perícia 19 Fevereiro 2023

Esta quinta-feira 16, é o limite da interpretação dada ao relatório da investigação à morte de Pablo Neruda que está em causa. As conclusões divulgadas na véspera (4ªfª) confirmam o envenenamento por uma substância botulínica "altamente tóxica, letal e não-endógena". Porém, os investigadores vieram a público desmentir a família de que isso foi a causa da morte. Quase 50 anos depois, a perícia internacional não consegue nem confirmar nem desmentir a morte por "cancro da próstata", como está averbado na certidão de óbito.

Neruda foi assassinado? — Corpo tinha botulínico

Desde o anúncio da morte de Neruda na Clínica Santa María em 23.9.1973, que surgiram especulações sobre se Pinochet — que 12 dias antes conduzira o golpe para tirar Allende do poder — não teria ordenado a sua morte.

Quase meio século depois, as autoridades chilenas abriram a investigação a partir de uma denúncia apresentada por familiares do poeta.

As conclusões indicam que a cepa ‘clostridium botulinum’ da bactéria — encontrada no corpo exumado de Neruda — era altamente tóxica, letal e não endógena", segundo o relatório do estudo, por um painel de especialistas internacionais que investigou o possível envenenamento de Pablo Neruda, e que foi entregue na quarta-feira à juíza chilena responsável pelo caso, Paola Plaza.

O jornalista Francisco Marin, correspondente da revista mexicana “Proceso” e o primeiro a levantar a hipótese do assassinato de Neruda, avançou que concluiu nesta semana a entrega dos resultados das últimas análises forenses ao sistema de justiça chileno.

Ao longo desta semana, as notícias — com base em informação prestado pelo sobrinho de Neruda, Ricardo Reyes — eram que os resultados análises forenses tinham confirmado que Neruda não teria morrido do cancro da próstata, como alegado no atestado de óbito.

Porém, dois cientistas da Universidade McMaster do Canadá, em declarações à Agência France-Presse, desmentiram a assertividade de Reyes: "a bactéria ‘clostridium botulinum’ "estava presente no momento de sua morte, mas ainda não sabemos porquê. Só sabemos que não deveria estar lá", disseram Hendrik e Debi Poinar.

Na quarta-feira, em conferência de imprensa, a juíza explicou que o relatório dos peritos irá ser analisado para que o tribunal se possa pronunciar sobre o caso.

Indignação ante proposta de ’Aeroporto Pablo Neruda’

A chocante confissão pelo poeta chileno Nobel da Literatura de 1971 — que escreveu no seu livro de memórias ter violado uma empregada de limpeza da embaixada do Chile em Colombo, Sri-Lanka — foi em 2018 evocada para contestar a escolha do nome Pablo Neruda para o aeroporto internacional do Chile.

“Ser famoso não apaga o facto de ter violado. A violação aconteceu em 1929, quando o diplomata Neruda, de 25 anos, ao fim de dois anos como cônsul em Rangoon na Birmânia, foi colocado na colónia britânica do Ceilão, atual Sri-Lanka.

O nascido Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto e cujo pseudónimo literário depois se tornou o seu nome oficial, narra que fez várias tentativas para conquistar a funcionária da limpeza, mas ela recusou.

Segundo o próprio diplomata e poeta, certo dia ele prendeu-lhe "o pulso com força" para a arrastar até ao quarto dele. "Era como se ela fosse uma estátua. Manteve os olhos bem abertos o tempo todo, sem reagir de forma nenhuma ao que estava a acontecer. De certo modo, ela fez bem em desprezar-me”, lê-se na autobiografia "Confesso que vivi", publicada em 1973, meses depois da morte de Neruda.

E é precisamente por essa violação — só conhecida pelo registo autobiográfico — que a proposta de renomear o atual ’Aeroporto Internacional Comodoro Arturo Merino Benítez’, em homenagem ao militar que fundou a Força Aérea do Chile, está a ser tão contestada.

“É tempo de parar de idolatrar Neruda, e falar do facto de ele ter sido um violador. Ser famoso não apaga o facto de ter violado alguém”, afirmou uma estudante e ativista que participou num protesto contra o assédio sexual durante uma greve geral dos estudantes universitários, no início de 2018.

Vários protestos ocorreram em todo o Chile organizados por um movimento que fez campanha, em tempos, a favor da legalização do aborto, e que é apoiado por outros movimentos que têm na sua génese a luta contra a violência de género, como o #MeToo e o #NiUnaMenos.

Também o ministro da Defesa chileno, Alberto Espina, afirmou que o Governo discorda da mudança e justificou a sua posição sublinhando a importância de Arturo Merino Benítez, que é um "símbolo no Chile e em todo o mundo", segundo o jornal chileno La Tercera.

Num artigo de opinião publicado no mesmo jornal, José Francisco Lagos, subdiretor do Instituto ’Res Publica’, que promove a defesa dos direitos humanos no país, sugere que, no caso de ser mesmo necessária uma mudança de nome, se discuta o nome de outras figuras que “são tão ou mais importantes e representativas dos valores que se quer promover no país" e que “mereciam mais [do que o poeta Pablo Neruda] ter um aeroporto com o seu nome”. “Num ano em que a voz das mulheres começou finalmente a ser ouvida, há quem se mantenha surdo e queira promover uma iniciativa que é mais ideológica do que propriamente cultural”, acrescentou.

Mas entre os apoiantes da proposta está a deputada Carolina Marzán. Em declarações aos jornalistas, ela sublinhou que o nome do poeta, que “tantos chilenos deixou orgulhosos”, deve ser a primeira coisa que os turistas veem quando chegam ao país.

Arte acima dos defeitos

Pelo mesmo diapasão afina a escritora Isabel Allende para quem o trabalho do poeta chileno não deve, mesmo depois da confissão feita pelo próprio, ser desprezado ou desqualificado.

Isabel Allende, recorde-se, escreveu que Neruda — cuja casa foi saqueada e livros incendiados — "morreu de tristeza" em setembro de 1973, poucos dias após o golpe que, encabeçado pelo general Augusto Pinochet, matou o presidente Salvador Allende, tio de Isabel, derrubou a democracia e instituiu a ditadura até os anos de 1990.

Isabel Allende diz: "Tal como muitas jovens feministas no Chile, também repudio muitos aspectos da vida e personalidade de Neruda. No entanto, não podemos esquecer-nos da sua escrita", afirmou ao The Guardian.

"Poucas pessoas, sobretudo homens com poder ou influência, comportam-se de forma irrepreensível. Infelizmente, Neruda era uma pessoa que tinha muitos defeitos", mas "o ‘Canto Geral’ continua a ser uma obra de arte”, acrescentou a escritora referindo-se ao livro de poesia publicado (postumamente) em 1950.

Fontes: La Tercera/ANSA/The Guardian/Folha.br/ ...Ilustração in www.slideshare.net/ Relacionado: “Ser famoso não apaga o facto de ter violado" funcionária da embaixada — Indignação ante proposta de ’Aeroporto Pablo Neruda’ , 25.nov.018.

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