“A militarização das nossas autoridades civis e o envolvimento ilegal de alguns militares nos assuntos civis estão a ocorrer com demasiada frequência”, escreve José Ramos-Horta num texto enviado à Lusa.
“Ao mesmo tempo, o que estamos a ver é que diferentes autoridades envolvidas na aplicação da lei e na inteligência parecem estar a competir entre si de uma forma pouco saudável”, disse.
Na publicação, adicional ao discurso de segunda-feira em que anunciou as legislativas para 21 de maio, José Ramos-Horta considera que estas situações estão a ter “efeitos prejudiciais para o Estado de direito e para a democracia” timorenses.
Ramos-Horta considera que a “proliferação da concorrência entre as instituições de aplicação da lei, a segurança e as instituições de informação estão simplesmente fora de controlo”.
“Qual é o futuro de um país que permite que as instituições de segurança operem totalmente fora da lei? Esta é uma receita perigosa para conflitos e abuso generalizado de poder e tem de parar. Os políticos não devem fechar os olhos a estas questões ou tentar usar tais práticas para seu próprio benefício político”, sustenta.
“Uma pequena nação e uma jovem democracia não podem permitir tantas agências que competem pelo poder e ao fazê-lo desprezam a lei. Se nós, como nação, levarmos a democracia, a legalidade e os direitos humanos a sério, necessitamos de uma reforma urgente do funcionamento destas autoridades”, afirma.
Retomando críticas que tem feito desde que tomou posse, no ano passado, José Ramos-Horta questiona se é necessário, num país tão pequeno, ter “tantas forças policiais, de segurança e de informações diferentes” como existem atualmente.
“Por que razão, por exemplo, nós e os doadores estamos a gastar grandes quantidades de dinheiro na construção de dois laboratórios forenses distintos e concorrentes da polícia, um para a Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) e outro para a Polícia Científica de Investigação Criminal (PCIC). Temos os recursos humanos e financeiros para que ambos funcionem em pleno seu potencial, ou é apenas mais um exemplo de consolidação de poder?”, questiona.
O chefe de Estado considera que, no terreno, as forças de segurança e inteligência parecem competir entre si “por controlo ou poder”, evidenciando-se depois situações em que a PCIC, a PNTL, o Serviço Nacional de Inteligência (SNI) e até a polícia militar “operam de forma que excede as suas competências”.
Ainda que os tribunais estejam, cada vez mais, a travar essas “ações ilegais”, nota, continua a haver “alguns elementos civis que procuram continuar independentemente disso”, chegando a “recrutar elementos militares para os ajudar”.
“Deixem-me ser claro nisto: os militares não têm lugar na aplicação da lei civil. O papel dos componentes militares é avaliar as ameaças à soberania nacional, não ajudar as autoridades civis na realização de operações ilegais contra os cidadãos”, sustenta.
“Além disso, quando os tribunais decidem que certas ações são ilegais, não cabe a elementos das forças de segurança ou da inteligência ignorar essas decisões e tentar continuar independentemente delas. As forças de segurança têm que atuar dentro dos limites da lei e as organizações devem ser racionalizadas para o fazer cumprir”, vinca.
Noutro aspeto, o chefe de Estado questiona-se sobre a necessidade de a polícia ter sempre armas de fogo, e defende que um modelo “racionalizado de aplicação da lei” deve apostar numa PNTL que promova, como prioridade, o “policialmente e os laços comunitários”.
“Além disso, um PNTL racionalizado e profissional deve estar acima da política partidária. Os agentes da polícia não devem jurar fidelidade aos partidos políticos. A sua única lealdade é para com o povo e a nação”, escreve.
“A polícia, as investigações e as acusações não devem ser politicamente motivadas ou impulsionadas. Todas as instituições, a PNTL, os militares e o Ministério Público no seu conjunto, não podem ser instrumentos de controlo ou influência política”, considera.
Questões, sublinha, que “são exemplos de que o poder está a ser aplicado para além dos limites legais, fora do controlo de um Estado e de uma sociedade democráticos”.
“Não foi exatamente contra isto que lutamos na nossa luta pela independência? Qualquer novo Governo deve enfrentar estas tendências de frente”, sublinha.
A Semana com Lusa