OPINIÃO

A SEMANA : Primeiro diário caboverdiano em linha

Poema-desabafo: A epopeia de ética-mezinha 19 Outubro 2023

Indo na senda de treinamento, num país cujo patrocínio para livro e para iniciativas ligadas à leitura parece cada vez mais miraculoso de conseguir, nos atribulados tempos que correm, sou a solicitar ao prezado Diretor do jornal A Semana Online a edição deste amistoso poema-desabafo, do meu sósia, Sísifo Miranda.

Por: Domingos Landim de Barros*

Poema-desabafo: A epopeia de ética-mezinha

A epopeia de ética-mezinha

Urge haver um escol de nova sépia,
de ungido assaz proveito uma tisana,
para semear na ingrata nossa herdade.
Precisa a eira de engenho e honradez,
talento e suculenta persistência,
criar alfobre adentro de masmorra,
como expurgar a ganga do minério,
doirar conhal com ética no punho,
raspar dali escorbutos e carunchos,
distorcer o nó de iníquo captor,
sair da torre a mística insistência,
naífe de uma ínclita imprudência,
Alcipe a emergir das catacumbas,
catita , desenvolta, atenta e livre,
tal que Ícaro a voar do labirinto.

Do antanho da distante Lusitânia,
chamai o esfuziante Manuel Tomás,
ombreado com Mouzinho da Silveira,
do templo cavaleiro Gualdim Pais,
do exímio cortesão Alves Coutinho
co’a bênção do jesuita, António Vieira,
de aderência o meu ídolo - baroco,
a par do inolvidável João de Barros,
o príncipe regente da honestidade,
mui brioso Tito Lívio português,
a vir ao lado do Álvaro d’ Almada
e do Maximiliano da Alemanha
com o pio Sebastião de cristandade.
Garanti perante magnas personas
em como a receção será de brinde,
pé de dança e apoteose-cerimónia,
que a vida de realeza assim exige.

O íman de Tomás brota de entusiasmo,
de egrégia e insofismável fidalguia,
sem monília na pelica e sem pílula
de intriga no engancho de sumidade.
O patriarca da liberdade infunde
em toda a empresa em que se mete
enzima de uma hóstia de irmandade,
com a ampla renomada seriedade.
Trazei na mesma leva o sete estrelo
de integridade de toda vasta lusofonia.
Associai, exultai, honrai e cantai
o ímpar Aristides de Sousa Mendes,
o arquétipo de lenda de caráter,
o Nobel incensado que ficou
por aferir no injusto escuro mundo.
Soprai do cisne o hino de probidade,
em barda e na ilharga de pacatez,
onde não se amanha a idealidade.

Do pujante Brasil puxai também
ao palco de ético desnorte e soante
desvirtude, a princesa da Lex Aurea,
de nulo mote à torpeza de ventre
subjugado e à abjeta escravatura,
no seu frutuoso reino de porvir,
recusando agraciar as tropelias,
para inspirar os títeres bacocos,
sinuosos leviatãs da temporada,
a não seguir o ímpeto de incúria,
de fúria e de fascismo, a lidar
com os infelizes e não alistados
da sua conspurcada agremiação,
de afago e de batismo aficionado,
para os engajados federalistas.

Aportai e não oculteis Corsino,
o épico patriota do território,
o vulto a quem a gente tanto deve.
Oh façanha de ingente talismã!
Inacabada quiçá sim, mas muito
melhor que bem, ungida suficiente,
para verter a leira de pupilos
da tira de carvão em ouro puro
refulgente, felizes e contentes,
do tipo Novissil de Cabo Verde,
canoeiro do timbre de tamarino,
agrilhoado no muro de fatalismo,
de buço consentido ao sacrifício.
Para o ático poeta, a pátria só se ergue
com roçar de mão na tocha e passar
de mão em mão singelo testemunho.
E que cada um ouse plantar a pedra
de finitude no alicerce de perene
desafio, cumprindo a épica missão.
Com cilício na cintura do bicho -
autofagia e de baça luz na fronte,
trazendo alçado génio a seu solar.

Chamai, oh landgrávios de bons ofícios!,
o arauto elemental Eugénio Divo,
com o imo do irmão Pedro de nome,
no quesito de aedo precursor
de lívidas canções, de frenético
fulgor, no cultivo de leite-língua.
E não vos esqueçais dos arquitetos,
os intrépidos videntes e feitores
da Claridade, os nefilins da terra,
como se diz, e trio de sinfonia,
de firme braço dado ao poviléu,
em franca sintonia com a barganha
de usurpadores e possantes ádvenas,
servindo-se de arrimo para o grito
de Ipiranga, na prímula de estirpe.
E agora meus sensatos mensageiros,
enviai no alforge do vosso ideal
a aura do Kaoberdiano Dambará,
com a do seu delfim Kaká Barbosa,
dervixe que jamais dececionou,
ao idioma e sua plúrima tertúlia.
Enviai à minha arca de seleção
o mágico Fernando com Camões,
com o místico Herberto, com o Torga,
Sophia, Maria da Costa, com Yolanda,
Cordeiro da Mata com o Viriato,
o Zetho, Bakakhosa, com Luandino,
Arménio com o Vario e José Lopes.
Mandai também topónimos de pinta,
as ninfas da barra do Dande e Niassa,
nereides de Água Izé de São Tomé,
com nédias missangas de Ícole e Bengo,
com todas as valências comunitárias,
e de eutimia o meu cálido cutelo,
no portentoso Arquétipo dos Anjos,
da minha estranha terra de berço.
Conhal do antigo Tejo e novas Lundas,
as míticas baías de Luanda e Mangui,
com ostras e castanhas da Guiné,
com aquecido semba e marabenta,
com a rumba, o lento fado e morna,
e o jornal tertúlia do meu futuro.

Não remetais mentiras e calúnias,
nem tralha de sus crofas entidades,
tais que linguarudos e sicofantas,
de esdrúxulas figuras da ribalta.
Corre rio de tença na minha urbe,
cai inata pretensão da minha rua,
de lídima esp’rança na potestade,
espreitando o ensejo de ser eleita,
e arrebenta-me o miolo da cabeça,
em meio a estonteante desolação.
E sobe de sobejo a grua de elite,
sobe a farsa no impulso de balão,
de esganada afeição à sinecura.
Sai bem a se escapar de sindicância
a nata de profusos sacripantas.
Vai na embrulhada plutocracia a fila
com a súcia de sinistras criaturas,
a série de extenuados “kuribotas”,
co’a escolta de rufiões, bufos e tudo,
para não mais voltar ao solo rente.
À populaça apenas cumpre entoar
o cântico de ultraje e bater de pala
à rude corte de inglórios urubus.
Ala bem nas alturas do Demiurgo,
para poisar na leveza de Tessália.
Só não fica bem o sórdido afã
de vil e ímpia sessão de fingimento.

Com a fé no biombo de encenação,
em cada aparição de cinco anitos,
deserta meu arraial e foge a gente,
do retinto e despido continente,
do radioso tio Demba e de Luthuli,
da máxima Deolinda e Karmen P’reira,
do mítico Madiba e companhia,
da núbil e fibrosa minha estância.
Parte a magra triste vaga, de párvula
visão para mainatos displicentes,
mas não! Nada claudica de vidência
na trilha e na mira dos peregrinos.
Desanima e desencanta a esparsa
vilania do dia a dia no principado.
Corre-me na veia a ríspida e ávida
vontade de me vingar. Tudo corre
numa guinada de ébria perceção.
A grua eleva o púlpito-grandeza,
na rua sobra o sujo desperdício.
Vejo tudo e pouco intuo, a não ser
abrir a ânsia co’a voz para clamar -
Tirem-me da urna de mel e leite! –

Parte a tribo imbele da minha seara,
enxergo algo de mal em meu redor,
sem zero de esboçar a contrariar.
Conspurcam e disparam atrocidade
na minha própria cara de ingénuo,
e já nem sou capaz de suplicar -
Ponhai-me aqui nos tratos de polé,
se a sanha vos der gozo e sabe a prémio -
Oh púlpito-grandeza da minha terra!
Corre a enxurrada na minha estrada,
indo para o ralo de sucumbência.

...

* Escritor/ Na pele de Sísifo Miranda

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