"In.desmentivel.mente poesia": comentou-se aqui, há três anos, quando a Academia Sueca em Estocolmo anunciou o Nobel de Literatura 2020 atribuído à poeta Louise Glück(09.out.020). Saudava-se assim o regresso à poesia como tradição literária quatro anos depois depois do controverso Nobel 2016 atribuído a Bob Dylan — cantautor que "incomodado" demorou a reagir.
A poeta Louise Glück (leia-se "ü" como "í"), nascida em Nova Iorque em 1943, é autora de várias coleções poéticas, muitas delas sobre as dificuldades da vida em família e do envelhecimento. Recebeu importantes prémios como o Pulitzer de 1993, pela coletânea ’Wild Iris’ e o de 2014 por ’Faithful and Virtuous Night’. Foi distinguida como a ’Poeta Laureada’ dos Estados Unidos em 2003.
"A mensagem foi recebida com surpresa, mas parece-me que foi bem acolhida", disse Mats Malm, o secretário permanente da Svenska Akademien, ao anunciar que Louise Gluck é a galardoada com o Nobel da Literatura de 2020, um ano tranquilo no que toca ao Nobel da Literatura, depois da dupla polémica em anos recentes que abalou a autoridade moral da Academia Sueca. Primeiro, foi em 2016 o Nobel atribuído ao músico Bob Dylan. Seguiu-se em 2018 a perturbação dos trabalhos que levou a adiar para 2019 a atribuição do prémio.
Íris selvagem
Em sete estrofes a voz poética descreve o interminável ciclo da vida, sempre a renascer.
No fim do meu sofrimento
estava uma porta.
Escuta-me: aquela que chamas morte
recordo.
Acima, barulhos, ramos do pinheiro a mover.
Depois nada. O sol ténue
iluminou súbito a terra seca.
É terrível sobreviver
como consciência
enterrada na terra escura.
Depois acabou: aquilo que receias, ser
uma alma e incapaz
de falar, a acabar de súbito, a terra dura
a ceder um pouco. E tornei-me
os pássaros a esvoaçarem rápido baixos arbustos.
Tu que não recordas
passagem do outro mundo
digo-te que posso falar de novo: tudo
quanto pode voltar do olvido volta
para encontrar uma voz:
do centro da minha vida veio
uma fonte enorme, sombras
de azul profundo no azur do mar.
(Original: The Wild Iris, de 2015, cinco anos antes do Nobel:
At the end of my suffering/there was a door.//Hear me out: that which you call death/I remember.//Overhead, noises, branches of the pine shifting./Then nothing. The weak sun/flickered over the dry surface.//It is terrible to survive/as consciousness/buried in the dark earth.//Then it was over: that which you fear, being/a soul and unable/to speak, ending abruptly, the stiff earth/bending a little. And what I took to be/birds darting in low shrubs.//You who do not remember/passage from the other world/I tell you I could speak again: whatever/returns from oblivion returns/to find a voice://from the center of my life came/a great fountain, deep blue/shadows on azure seawater.)