Condenado por sete crimes de peculato, quatro de participação económica em negócio, quatro de abuso de poder, dois de falsificação de documentos e um de tráfico de influência, Diogo Gaspar já anunciou que vai recorrer da decisão do juiz que lhe destacou como agravante o abuso da confiança nele depositada por três presidentes desde 2001.
"Foi o senhor que basicamente conseguiu montar o Museu da Presidência. Era uma pessoa digna de confiança, pelo que tinha uma relação muito estreita com os presidentes da República. E traiu essa confiança, porque quis ter mais do que aquilo que podia ter. Isso levou-o a, durante vários anos, no âmbito de várias atividades, vários negócios, a tentar sempre [ver] onde é que havia oportunidade de ganhar mais alguma coisa", sustentou o juiz Luís Ribeiro, na leitura do acórdão, esta segunda-feira em Lisboa.
Os restantes três arguidos foram condenados a penas suspensas, sobretudo pelo crime de participação económica em negócio.
Denúncia anónima. O processo que agora resultou na condenação a prisão efetiva do antigo diretor do Museu da Presidência (à entrada do Palácio de Belém) começou em abril de 2015, motivado por uma denúncia anónima.
O DIAP-Departamento de Investigação e Ação Penal entrou em ação e em junho de 2016 a Polícia Judiciária lançou a "Operação Cavaleiro", com buscas a dez locais, entre os quais a casa de Diogo Gaspar. Foram apreendidos "diversos bens culturais e artísticos que, presumivelmente, terão sido descaminhados de instituições públicas".
Os bens foram encontrados quer na casa do diretor do Museu da Presidência quer nas casas de amigos. Três deles (José Dias, Paulo Duarte e Vítor Santos) foram constituídos arguidos.
Quando Diogo Gaspar foi detido, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa prometeu total colaboração com as autoridades. "Não tendo embora sido uma escolha minha, espero que possa provar a inocência. Mas o que é facto é que os portugueses esperam que na Presidência da República, como em todas as instituições, a justiça se aplique sem discriminações", afirmou Marcelo.
Sampaio deu-lhe a Comenda e Cavaco fê-lo Cavaleiro
O atual Presidente da República chegou a definir Diogo Gaspar como "um funcionário diretor de serviço antigo, muito conceituado" apenas quatro meses antes de ser detido.
Nesse mesmo ano de 2016, o Diretor do Museu da Presidência inaugurado em 2004, após ter sido coordenador e principal concetor desde 2001, tinha sido agraciado por Cavaco Silva, pouco antes de terminar o segundo mandato presidencial, com o grau de Cavaleiro da Ordem Militar de Sant"Iago da Espada, que se destina a "distinguir o mérito literário, científico e artístico".
Dez anos antes, em 2006 Diogo Gaspar tinha já sido agraciado por Jorge Sampaio com o grau de Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique, atribuída a "quem houver prestado serviços relevantes a Portugal, no País e no estrangeiro, assim como serviços na expansão da cultura portuguesa ou para conhecimento de Portugal, da sua História e dos seus valores".
Descondecorar? Condecorados podem perder o prestígio. Em Portugal, casos recentes são os de Carlos Cruz, preso e condenado no escândalo Casa Pia, e Armando Vara (). Também constam de registos históricos a descondecoração do casal Ceausescu, presidente e primeira-dama da Roménia, executados em 1989. A Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago fora-lhes atribuída pelo presidente Eanes em 1975.
Currículo
De acordo com o currículo publicado por ocasião da sua nomeação para o cargo de diretor do Museu da Presidência, Diogo Gaspar licenciado em História de Arte em 1993 — pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde concluiu em 1996 o curso de especialização em Ciências Documentais — começou por trabalhar desde 1995 aos 24 anos no Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo e, em setembro de 2001, tornou-se coordenador do Museu da Presidência da República.
"Foi responsável pela definição do programa museológico e do projeto museográfico e, ainda, pelas mais diversas tarefas no âmbito da implementação do Museu, nomeadamente a aquisição e incorporação, por doação ou depósito, de espólios documentais de antigos presidentes da República, a preparação de mais de uma dezena de concursos com vista à aquisição dos mais diversos serviços e equipamentos, a estruturação da campanha de mecenato cultural e a implementação dos diversos serviços" anota-se. Um percurso que o leva, aos 33 anos, à direção do Museu inaugurado em 2004.
Até à queda em 2016, quando a acusação do Ministério Público indicou suspeitas de "apropriação de bens móveis públicos" e "uso de recursos do Estado para fins particulares". Diogo Gaspar diz-se inocente e alvo de uma cabala, mas a PGR-Procuradoria-Geral da República deu como provado o esquema fraudulento que o diretor montou a fim de comprar móveis do próprio Museu e do Palácio da Cidadela (em Cascais), durante a reabilitação deste espaço, em 2009, bens que o próprio tinha declarado para abate — serviço para o qual contratou as empresas dos restantes arguidos, seus amigos, que o tribunal entendeu que se "deixaram influenciar" pelo ex-diretor do Museu da Presidência, que foi descrito como uma pessoa "extremamente controladora".
Fontes: DN.pt/RTP.