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Portugal: Padre encontrado morto a mais de 500 km — "Tragédia, sob fundo do relatório Ciase de abuso sexual" 24 Fevereiro 2023

Foi revelada na noite de quinta-feira uma possível causa para a morte do pároco de 57 anos, cujo cadáver foi encontrado na terça-feira à noite pela GNR de Braga, a mais de 500 quilómetros da sua paróquia de Santiago de Rio de Moinhos, no concelho de Borba da arquidiocese de Évora.

Portugal:  Padre encontrado morto a mais de 500 km —

"O P. José António Gonçalves, de 57 anos de idade, faleceu em Terras de Bouro, ao final do dia 21 de fevereiro. O corpo do sacerdote foi encontrado sem vida", lê-se no comunicado.

Um veículo estacionado nas imediações da barragem de Vilarinho das Furnas (última foto), em Terras de Bouro, no Parque Nacional da Peneda-Gerês, chamou a atenção da GNR de Braga. A averiguação levou à descoberto do corpo do padre de Borba.

Tragédia sob fundo do escândalo

Foi revelado que, na mesma terça-feira 21, chegou à arquidiocese uma denúncia contra o pároco, por "assédio digital" de um adulto vulnerável.

O jornal online Observador cita uma fonte da arquidiocese de Évora que recebeu essa "primeira queixa formalizada" contra o padre José António Gonçalves. À Ciase-Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa não chegou qualquer queixa ou denúncia (segue no próximo entretítulo).

A mesma arquidiocese está a lidar com outro caso sensível na paróquia de Samora Correia (foto à d.ta), no concelho de Benavente. O padre
Heliodoro Nuno, que há mais de dez anos sucedeu ao padre José António, é criticado por manter-se à frente da paróquia numa altura em que foi acusado pelo Ministério Público de Santarém de um crime de encobrimento de catequista a crianças da paróquia: soube de um caso de abuso a uma menor há dois anos e não o reportou à hierarquia.

Relatório da Pedofilia na ICAR — Igreja pede perdão às vítimas, Vaticano diz que relatório "não é o fim, mas o início de algo"

O relatório da Ciase-Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja apresentado na segunda-feira 14 em Lisboa, indica que 4513 crianças com a média de 11,1 anos de idade foram vítimas de abuso sexual desde os anos de 1950 até "o final dos anos 2010". A maior parte dos predadores são homens (97%) e padres (77%). Só 4% das vítimas apresentaram queixa judicial e 23% dirigiram-se à hierarquia católica. As vítimas esperam pedido de desculpa da Igreja e a Ciase garante que há muitos abusadores ainda no ativo, cuja lista de nomes vai enviar ao Ministério Público e à Conferência Episcopal.

O presidente da Conferência Episcopla, dom José de Ornelas falou no mesmo dia da divulgação do relatório da Ciase. "Pedimos perdão a todas as vítimas". Deixou a promessa de estar do lado das vítimas e "não tolerar abusos nem abusadores".

Do Vaticano veio uma mensagem de esperança e a promessa de que "vamos escutar". Este relatório "não é o fim, mas o início de algo".

Uma estimativa "grosseira e que peca por defeito" indica que entre as décadas de 1950 e o final dos anos 2010, pelo menos 4.815 crianças e jovens terão sido vítimas de abusos por padres, religiosos e leigos católicos em Portugal, num número que será sempre "apenas a ponta do iceberg", segundo o sociólogo Vasco Ramos responsável pela parte "sociométrica" do estudo.

"Não é possível quantificar o número de crimes praticados, mas sabemos que a maior parte das crianças foi abusada mais do que uma vez", indicou o coordenador da comissão, o pedopsiquiatra Pedro Stretch. A média de idades atual das vítimas é de 52 anos, mais baixa do que nos estudos de outras comissões em países da Europa. Em 20,2% da amostra, constam pessoas atualmente com menos de 40 anos de idade.

Um em cada quatro dos casos de abusos sexuais na Igreja foi cometido nos últimos trinta anos, pelo que a Ciase — comissão "apenas" ad-hoc e que deverá inspirar outras comissões em especial no seio da ICAR, como destacou o ex-ministro Laborinho Lúcio — espera que haja um estudo mais aprofundado sobre tais casos. O objetivo não será tanto o de levar os abusadores à Justiça, mas em especial afastá-los para evitar a continuação dos crimes.

"São números muito impressionantes, até para mim", reagiu o psiquiatra Daniel Sampaio (irmão do antigo PR Jorge Sampaio, já falecido). Ele integrou a comissão, dado o seu conhecimento obtido em "décadas de experiência a lidar com abusos de crianças e jovens" — uma realidade sobre a qual escreveu alguns livros.

Os membros da Ciase chamam a atenção para o facto de que a realidade relatada se baseia no "universo" dos que "se dirigiram espontaneamente à comissão" e que esta teve recursos limitados para o trabalho que realizou em menos de um ano, de janeiro a dezembro 2022, quando o ideal seriam três anos.

512 casos de abuso sexual de um total de 564 denúncias foram validados. Isto significará que apenas pouco mais de um em cada 10 casos terá consequências, já que os outros prescreveram de acordo com a lei atual.

Vítimas testemunham:

"Estive 22 anos em silêncio. Sentia-me culpada, passei muitas noites a chorar".

Um acusa a Igreja pelo alheamento e indiferença para com o seu sofrimento: "Destruiu o meu futuro e fez do meu passado um buraco".

Jesuítas: 24 vítimas de crimes de pedofilia cometidos por 11 jesuítas e um leigo, todos já falecidos.

"Em relação a alguns suspeitos, há registo de mais do que uma vítima. Deste modo, os abusos envolveram, pelo menos, 24 vítimas, entre os 7 e os 17 anos. A grande maioria é do sexo masculino" e os "suspeitos identificados tinham entre 24 e 65 anos à data dos factos", adiantam os jesuítas portugueses em comunicado.

A maior parte das situações conhecidas "aconteceu em contexto escolar", "relatos indicam os locais de dormida (os mais antigos, quando ainda havia regime de internato) e espaços onde os alunos se encontravam sozinhos com o suspeito, como gabinetes, enfermaria, mas também salas de aula onde uns alunos terão vivido e outros presenciado condutas sexualmente abusivas", "comportamentos e condutas com conotação sexual, como toques em zonas íntimas e manipulação de órgãos genitais".

Segundo a Província Portuguesa da Companhia de Jesus, "a maior parte das vítimas transmiti[u] à Comissão Independente que não deram a conhecer os factos à data dos acontecimentos e que apenas muito mais tarde falaram com os seus familiares". Nos raros casos em que houve denúncias às estruturas jesuítas, "a consulta dos nossos arquivos leva a crer que foram tomadas medidas, tais como o afastamento do suspeito ou o seu isolamento em casa religiosa com proibição do exercício de atividade apostólica. Houve casos em que o processo conduziu à saída do suspeito da Companhia de Jesus. Não temos informação de que tenham existido processos judiciais ou canónicos. Em nenhum caso houve comunicação ao Ministério Público", acrescenta o comunicado.

França registou 330 mil vítimas, em Portugal há mais mulheres vítimas

Destacou-se o facto de que o relatório português tem semelhanças com o francês — apresentado há um ano — que "nos serviu de matriz", mas com a diferença de que em Portugal há mais queixas apresentadas por vítimas do sexo feminino.

Tal não significa que haja mais mulheres vítimas em Portugal do que em França, mas que estas portuguesas pertencem a uma "geração que ganhou voz" (segundo a socióloga Ana explica: é a força das mulheres tornadas senhoras do seu destino e da família, após a saída dos homens para a guerra em África e para a emigração a partir dos anos de 1960).
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Fontes: Notícias / Setúbal Mais/Observador/... Rádio Renascença/SIC/TVI. Fotos: (À esqª, foto Lusa): Apresentação 2ªfª, 13 do relatório da Ciase a órgãos de comunicação social portugueses e estrangeiros. Membros da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja: a socióloga Ana Nunes de Almeida, o pedopsiquiatra Pedro Stretch (coordenador), o ex-ministro da Justiça Laborinho Lúcio, o psiquiatra Daniel Sampaio...(À d.ta): O padre José António Gonçalves no dia 12 de janeiro junto ao arcebispo de Évora, dom Francisco José Senra Coelho, que presidiu à Eucaristia dominical e ministrou o Sacramento da Confirmação a 5 adultos na Paróquia de Santiago de Rio de Moinhos.

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