A Reportagem do Asemanaonline entrou em contacto com vários produtores de aguardente de cana sacarina em Santo Antão para saber os meandros do fabrico deste artigo, dito por muitos agora tratar-se de um produto com mais qualidade. São produtores que praticamente estão a dar a continuidade ao negócio familiar ou por si só criaram o próprio negócio. Com os estabelecimentos locais de restauração e hotelaria, entre outros, fechados ou a funcionarem por menos tempo, a venda do grogue diminui, conforme revelam todos os entrevistados deste jornal.
Em João Dias, localidade em Ribeira Grande de Santo Antão, João do Carmo que há muitos anos tem a sua própria unidade de produção de aguardente, vem sentido o impacto da pandemia quando se trata da venda do produto, e está certo que desde sempre produz “grogue de qualidade”. No entanto, a Covid-19 foi e continua a ser um choque na comercialização do produto. “Fazemos, armazenamos e ninguém vem comprar”, afirma João que está numa idade já avançada, mas que ainda continua a produzir e a apostar neste produto. O produtor nota que, desde que essa pandemia chegou ao país, muitos comerciantes locais já não compram o seu grogue. Com uma enorme tristeza, diz que tudo está armazenado e à espera que a situação venha a ter outros contornos.
Um pouco mais para o interior de Ribeira Grande de Santo Antão, em Chã de Pedras, encontramos Cursino Ramos que não vem com bons olhos a venda de aguardente e diz que a saída do produto tem sido “fraca”. Anteriormente, o produto era encaminhado para várias ilhas, nomeadamente a venda na própria ilha, São Vicente, Sal, entre outros. A produção, que deveria iniciar em Janeiro, começou um pouco tardio, porque, conforme este produtor, “não houve condições e o clima era de muito frio”, e optou-se por começar as atividades neste mês de março.
Na mesma zona, o escoamento do grogue de António Gomes para fora de Cabo Verde dependia muito de um familiar que residia em Holanda, mas com a morte deste familiar, Gomes resolveu suspender esta exportação. A comercialização restringe Santo Antão e São Vicente, mas, no entanto, a venda é “razoável” visto que, sua aguardente já conquistou alguns clientes que sempre recomendam alguns litros. Este agricultor e produtor salienta que tem um número mínimo de funcionários que trabalha nas suas terras durante todo o ano, e que tem sempre que se esforçar para os manter e pagar as despesas.
Já no concelho do Paul, a Dona Gumercina Silva esposa do antigo produtor Jorge Silva, de 80 anos, dá a voz ao marido para falar sobre a produção do grogue. Com 15 anos, Jorge Silva que é natural da ilha de São Vicente, veio a Santo Antão com o pai para negócio de aguardente quando já tinha 15 anos. Gumercina nos avançou que, devido a idade avançada do marido e as exigências de IGAE, Jorge foi obrigado a parar as suas atividades. Hoje com poucos pés de cana sacarina prefere os vender ou enviá-los a uma unidade para a sua transformação, o que vai servir para o consumo próprio em casa com os amigos. A esposa garante que o marido sempre presou pela qualidade da aguardente, não permitido a entrada de açúcar na sua unidade de produção, o que acabou por ter muita procura. Para preservar o gosto e a qualidade do grogue, Gumercina avança que o produto é armazenado num barril, e que uma vez ou outra, pessoas amigas o vêm comprar.
Este ano, Orlando Costa, também do concelho do Paul, ainda não iniciou a produção do grogue e pensa não dar seguimento a isso. Em 2021, conta com uma pequena parcela de terreno, em Fajã de Janela, com plantação da cana sacarina, o que segundo diz, não justifica fazer todo o trabalho para uma pequena quantidade de cana que não vai cobrir despesas, já que é também uma zona distante do Paul, acarreta ainda mais custos para o transporte da cana.
No interior do Porto Novo, mais precisamente em Ribeira da Cruz, Vanderley Rocha, que é produtor e presidente da Associação dos agricultores da zona, já se mostra satisfeito, visto que iniciou a sua produção em inicio de janeiro e já está quase no fim. Mas como nem tudo é mar de rosas, Vanderley diz que, neste momento, a venda da aguardente está um pouco complicado. Relembra que, no ano passado, uma grande parte da aguardente foi vendida, o que, a seu ver, “foi muito bom o negócio”, realçando que, para já este ano, há uma certa preocupação por parte dos produtores.
Por serem zonas muito distantes, o produtor Marcolino do Rosário saleinta que, quase todos os dias, transportava enormes quantidade de aguardente do interior de Porto Novo para São Vicente, mas diz que agora sente-se a diferença. Antes da pandemia, Marculino indica que transportava até 30 barris de aguardente, mas que agora a situação é outra: pode chegar a transportar somente 10 barris, isso quando se fala em meses. Grogue esse que era da sua produção e de outros produtores. Para ele, fazer chegar grandes quantidades de aguardente, através da linha Santo Antão/São Vicente, já teve dias melhores.
José Almeida do Tarrafal de Monte Trigo, diz, por seu turno, que o seu grogue sempre teve um “destaque no mercado nacional e com preço regular”, logo não se está a ter muitas dificuldades. Mas, segundo diz, outros colegas têm encontrado muitos obstáculos, principalmente no mercado local. Avança que o artigo tem sido enviado para São Vicente, Sal com um pouco de dificuldade e Santiago, que não têm encontrado problemas em colocar o produto.
Conforme os nossos entrevistados, sempre há emigrante que recorrem aos produtores reconhecidos, como sendo os que produzem grogue de qualidade.
Persistência do grogue adulterado e papel do IGAE
Uma opinião partilhada por todos os entrevistados, diz respeito à produção de grogue de má qualidade que ainda persiste e que tem dificultado a venda da bebida de muitos daqueles que têm respeitado a lei e seguido as regras impostas pela Inspeção-geral das Atividades Económicas – IGAE.
O pior é o preço que tem sido uma atração para os que preferem o produto a baixo valor monetário e baixa qualidade. Para estes produtores o “grogue adulterado” comercializado não tem qualquer qualidade e contribui para a “destruição de muitas vidas”.
Para quem não consegue respeitar tudo o que a lei pede, principalmente quando se trata de equipamentos ligados à produção do grogue e que são necessários, Gomes sugere que se criasse um crédito a disposição dos agricultores e produtores para financiamento, que poderia ser liquidado aos poucos.
No entanto, os responsáveis por esta produção são conscientes que a IGAE tem tido um papel muito importante na diminuição da forma ilegal de produzir a aguardente. Acreditam que o grogue adulterado não será fácil de controlar, mas que a instituição continue a trabalhar para que se respeite a saúde pública.
António Gomes de Chã das Pedras, localidade do interior do concelho de Ribeira Grande, aponta que a IGAE tem exagerado em algumas situações de fiscalização, que são importantes, já que “se não for desta forma muitos andam por caminhos errados”.
Em Cabo Verde, as ilhas de Santiago, São Nicolau e Santo Antão são os principais produtores de grogue, sendo que 82% da superfície da ilha de Santo Antão é ocupada por cana-de-açúcar, o grogue e derivados representam cerca de 30% do PIB, sendo o principal produto de exportação desta ilha.
AC/Redação