No acórdão, que dá razão parcial a um pedido de fiscalização do Presidente da República e a que a Lusa teve acesso, o coletivo de juízes declara também a inconstitucionalidade de um outro artigo do mesmo diploma que proibia os operadores radiofónicos e televisivos de “ceder a qualquer título, espaços de propaganda política”.
“Acordam os juízes que constituem o plenário de Tribunal de Recurso declarar a inconstitucionalidade das normas (…) na parte em que se referem à atividade de radiodifusão doutrinária que utiliza o espetro de rádio frequência”, refere-se no documento.
Os juízes deliberam “não julgar inconstitucional” o caso de radiodifusão doutrinária que “não utiliza o espetro de rádio frequência”, o que pode incluir, por exemplo, rádios online.
A decisão de hoje refere-se exclusivamente ao diploma cuja constitucionalidade foi levantada pelo chefe de Estado.
Timor-Leste tem já uma rádio doutrinária, nomeadamente a Rádio Televisão Maubere (RTM), que é um órgão oficial da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin).
No acórdão nota-se, neste aspeto, que “para o juízo de inconstitucionalidade (…) não é relevante a circunstância de algum partido já deter uma rádio e/ou televisão em funcionamento”, sendo que a proposta “não é mais ou menos constitucional” por isso.
Os juízes consideram que a radiodifusão doutrinária é “uma forma de exercício do direito à liberdade de expressão e de informação”, protegido pela Constituição.
Mas recordam que o espetro de rádio frequência é limitado, poderia neste cenário ser usado por todos os partidos políticos – há 17 a concorrer às eleições, por exemplo – e que não pode “ficar esgotado” pelas atividades de radiodifusão doutrinária.
“Tem de ser assegurado o uso do espetro de rádio frequência para outras atividades económicas, como por exemplo na área das telecomunicações”, referem.
Estes obstáculos à rádio doutrinária “já não existem se a atividade (…) não utilizar o espetro de rádio frequência”.
O acórdão é a resposta do Tribunal de Recurso a um pedido enviado no passado dia 27 de março pelo Presidente da República, José Ramos-Horta, sobre a fiscalização preventiva da constitucionalidade da lei da radiodifusão por considerar que viola vários artigos da lei base, como permitir canais doutrinários e impor limites à liberdade de programação.
Nesse pedido, José Ramos-Horta questionou vários dos artigos do diploma, incluindo os “limites à liberdade de programação”, contidos na proposta, que considerou “que não são proporcionais nem adaptados para atingir os fins da lei proposta ou os da Constituição”.
O chefe de Estado questionava ainda “a criação da categoria de radiodifusão doutrinária pela proposta de lei”, por entender ser inconstitucional.
Este pedido de fiscalização confirma as preocupações que o próprio Presidente já tinha expressado este mês, na sequência da aprovação do diploma no Parlamento Nacional, quando questionou o facto de a lei impedir os partidos de comprarem espaço nas televisões.
“Não concordo com isso em Timor-Leste ou no mundo. Deve haver total liberdade. Em alguns países as televisões transmitem e abertamente declaram apoio a um ou outro partido. Deve haver liberdade absoluta e os órgãos privados decidirem que tempo dão a candidatos ou partidos, não deve ser regulado pela lei”, afirmou.
“Não concordo com qualquer lei em Timor ou no mundo que depois é usada para limitar, travar a liberdade de imprensa e a liberdade política”, disse.
Ramos-Horta questionou em particular a existência em Timor-Leste de uma televisão partidária, nomeadamente a RTM, órgão da Fretilin. “Não conheço muitos partidos políticos que tenham televisão. Só China, Coreia do Norte, Cuba, onde o partido no poder tem”, disse.
Questionou também o facto de a proposta ser aprovada em período antes das legislativas, considerando que o efeito jurídico e prático das restrições à liberdade de programação leva a que o maior partido político do atual Governo, que fez a proposta de lei, "recebe uma parcela da Radiofrequência Nacional que é ‘uma parcela demasiado grande’”.
“Neste contexto, e a título de exemplo, em conjunto, os outros 17 partidos políticos que concorrem à eleição, necessitariam do equivalente a 136 horas por dia na Rádio Televisão de Timor-Leste (RTTL) ao abrigo do sistema Direito de Antena, a fim de alcançar a equivalência de radiodifusão com a RTM e o partido político que a controla. É evidente que o ambiente desproporcionado de radiodifusão não pode ser remediado pelo acesso ao direito à Antena. O resultado é uma atribuição desproporcionada a um partido político em detrimento de todos os outros”, sustentou.
Ramos-Horta considerava que a sugestão de que qualquer outro partido político poderia criar um canal de radiodifusão “e começar a transmitir a tempo da próxima campanha é ilusória, egoísta e limita-se a ser apenas uma pretensa e falsa defesa dos direitos dos cidadãos a serem devida e justamente informados numa sociedade pluralista, para que possam exercer corretamente o seu direito democrático de voto”.
A Semana com Lusa