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Universitários em Cabo Verde trabalham para pagar o curso tentando não desistir 19 Maio 2023

Trabalhar para pagar os estudos e despesas é a realidade de muitos estudantes universitários em Cabo Verde, que dividem o dia entre a faculdade e o trabalho, evitando deixar para trás o curso.

Universitários em Cabo Verde trabalham para pagar o curso tentando não desistir

"Nos primeiros meses, a rotina de trabalho afetou-me fisicamente e psicologicamente, pois era a primeira vez que eu estava a trabalhar. A minha rotina mudou completamente e tinha de conciliar o meu horário de comer, estudar e de descanso. Estava tudo bagunçado", explicou à Lusa Maximiliana Monteiro, 22 anos.

Frequenta o quarto ano do curso de Ciências da Comunicação na Universidade Cabo Verde (Uni-CV), na Praia, e há dois anos que divide o dia com o trabalho num restaurante local. Confessa que viu a oportunidade de trabalhar como forma de pagar os estudos, reservando o período de manhã para as aulas. As tardes e noites, das 16:00 às 00:00, são passadas no trabalho, enquanto tenta ’driblar’ a rotina "pesada", que a leva a pensar desistir.

"Isso tudo me afetou na escola porque eu tinha de fazer os meus trabalhos e demonstrar responsabilidade, acompanhado do desafio de mostrar aos meus pais que eu estava centrada nas duas coisas, pois caso vissem algum desequilíbrio mandar-me-iam escolher entre a escola e o trabalho", desabafou.

Ainda assim, reconheceu que o "pagamento gordo" no restaurante "dava para pagar a escola, transporte e alimentação", e que "ainda sobrava um troquinho para passear".

Uma realidade bem conhecida de Milson Rodrigues, colega do curso de Ciências da Comunicação. Conciliar o trabalho e o horário de estudo, por entre o cansaço físico, são as grandes dificuldades reconhecidas pelo estudante, atualmente no quarto ano da licenciatura, e que há dois anos paga as despesas do curso com o trabalho numa pastelaria da Praia.

"Vou às 05:30 e saio às 14:00, o que coincide com o meu horário de aula, pois entro logo às 14:00. Além de chegar sempre atrasado, estou sempre limitado para fazer alguns trabalhos de grupo no período de manhã, ficando sem tempo para estudar. Estudo mais à tarde nos fins de semana e tento ler quando há pouca movimentação de clientes", explicou Milson Rodrigues, em declarações à Lusa.

"Uma das maiores dificuldades é o cansaço físico, pois durmo pouco e chego em casa já à noite, depois das aulas. O corpo fica esgotado e às vezes sem ânimo para estudar. É uma rotina bastante cansativa, trabalho com clientes e o stresse é ainda maior", completou.

De acordo com dados oficiais dos Serviços Administrativos e Financeiros da Uni-CV, até dezembro de 2021 os estudantes da instituição deviam mais de 80 milhões de escudos (726,8 mil euros) em propinas, que são de 9.000 escudos (81,50 euros) mensais. A situação, aliada à profunda crise económica provocada em Cabo Verde pela pandemia de covid-19 desde março de 2020, levou mesmo à criação na Uni-CV de um fundo social para apoio.

Segundo a Agência Reguladora do Ensino Superior, frequentaram o ano letivo 2021/2022 um total de 9.020 estudantes, em todas as universidades do país, mas praticamente metade nos três polos da Uni-CV nas ilhas de Santiago e São Vicente.

Na abertura oficial do atual ano letivo, o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, anunciou a atribuição de 1.200 novos bolsas de estudo para o ensino superior. Dados do Ministério da Educação deste ano letivo indicam que 108 alunos foram excluídos durante o processo de candidatura à bolsa e 453 não foram contemplados, como é o caso de Ruth Semedo, de 25 anos.

"Eu já tentei uma bolsa de estudo várias vezes, porém nunca consegui. Não tenho ajuda da universidade e por isso trabalho numa loja chinesa desde o primeiro ano do curso, pois os meus pais não têm possibilidade de cobrir os gastos. Tenho de comprar alimentos, ativar o passe, pagar a propina [13.000 escudos, 117,80 euros], e nem sempre o dinheiro chega para fazer tudo isso. E muitas vezes atrasar a propina é inevitável", avançou o estudante da Universidade Lusófona de Cabo Verde, a frequentar o curso de Gestão de Empresas.

"Tenho de me esforçar muito porque trabalho oito horas por dia e logo a seguir ao trabalho tenho aulas noturnas, até por volta das 22:00. Não tenho tempo nem para estudar e descansar", contou.

A maioria destes trabalhadores-estudantes conta que passam pelas mesmas dificuldades, como Eunice Moniz. Frequenta o primeiro ano de Enfermagem, na Universidade Intercontinental de Cabo Verde. Enquanto isso, trabalha há oito meses como monitora num Jardim Infantil de forma a conseguir pagar uma propina de 12.000 escudos (108,90 euros).

"Eu chego na escola sempre atrasada. A enfermagem é um curso que exige muito esforço dos alunos. Trabalhar e estudar, muitas vezes faz-me pensar sempre em desistir. Tenho de levantar e estudar na madrugada. O meu trabalho não é fácil porque é com crianças. Eu saio às 17:30, mas tenho uma colega de trabalho que sempre me ajuda para eu poder sair as 15:00 e assistir às aulas que começam às 16:00. É preciso muita força de vontade, ter de suportar isso tudo com lágrimas nos olhos", afirmou a estudante.

A situação torna-se mais complicada para os alunos provenientes das outras ilhas, dado que a oferta universitária em Cabo Verde está concentrada na Praia, além de alguns polos na ilha de São Vicente. É o caso de Diana Rodrigues que há quatro anos deixou o Fogo para tirar a licenciatura em Línguas, Literaturas e Culturas (Estudos Ingleses) na Uni-CV.

"Tenho de custear a minha própria alimentação, alojamento e pagar algumas despesas da universidade. Comecei há dois anos a trabalhar dando aulas particulares para crianças, porque eu não tinha outra solução e não poderia passar fome, estando ainda longe dos familiares. É muito difícil, pois fico extremamente cansada", reconheceu a estudante.

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