Por estes dias, a Alemanha, que agora exige um teste com menos de 48 horas, tornou mais complicada a rotina diária de muitos trabalhadores transfronteiriços. Como A, que cresceu em França e mantém ligação a Cabo Verde onde nasceu e que tenta visitar uma vez por ano. "Não vai ser este ano".
"Levanto às cinco e meia, ainda escuro, para poder fazer o teste PCR, obrigatório. Demoro uma hora entre ir e vir e a fila. Corro para casa, que tenho de preparar as crianças para a escola. Depois faço vinte quilómetros até o meu trabalho", lamenta esta mãe de três filhos, do outro lado da linha a mais de 4000 km de distância.
Luxemburgo, Alemanha e Bélgica, onde os mais novos têm empregos. Conforme a proximidade, muitos acabaram por mudar de país, mas ainda são 17 mil os transfronteiriços diários.
Mas há ainda quem — por razões diversas, entre elas o alojamento "muito mais caro" no grão-ducado — faça a travessia de fronteira diariamente.
A nossa fonte, A, está entre os 17 mil trabalhadores moselenses — no leste de França, a mais de 350 km de Paris e a poucas dezenas de quilómetros dos países vizinhos — que entraram em março com mais uma complicação devida à Covid.
Alemanha
A Alemanha exige, "sem exceção", testes PCR ou antígenes negativos com menos de 48 horas. Uma medida incómoda que justifica com a necessidade de proteger as pessoas dado o fluxo populacional diário entre as duas regiões dos dois países.
Face à recrudescência dos casos de variantes sul-africanas na Moselle, as autoridades alemãs classificaram-na "departamento de alto risco Covid".
Um cidadão francês, operário na fábrica de carros em Sarre, não escondia a indignação: " Amanhã vou entrar às quatro e meia da madrugada. Quando é que vou poder fazer o teste, não me dizem? Isto é impossível, de doidos... É injusto.", disse em depoimento ao Le Figaro.
Fintar os testes "muito desagradáveis"?
Outro francês, David, reconhece que anda a driblar a situação: em vez de atravessar a fronteira mais próxima para chegar ao Luxemburgo, desce para Metz a sul, entra na Alemanha e retoma o norte para o grão-ducado.
Tem despesas acrescidas dia a dia, mais 90 quilómetros na estrada e dezenas de euros pela portagem. Mas se perde dinheiro "ao fim do mês dá umas centenas de euros", mas foge assim aos testes que o põem "muito ansioso".
Quem também diz "não" aos testes é o Anthony que trabalha numa padaria na Alemanha. O padeiro tem só uma certeza: "Submeter-me ao escovilhão? Uma vez é desagradável, duas dói demais, mas dez? É não!".
Solução? "Se isto dura, entro de baixa, por doença. Ponto final", diz em depoimento ao diário Le Figaro.
Ontem éramos vizinhos
"Um espirro? Todos se afastam como se a pessoa está empestada! Ontem amigos, hoje olham para nós como o inimigo", ironiza um franco-alemão que atravessa a fronteira todos os dias para ir trabalhar na Alemanha.
"Como a Europa é bela!", remata. A ironia amarga de quem vê as relações entre as pessoas a mudar em tempos de Covid.
Fontes: Testemunhos pessoais/Le Figaro/TV5. Fotos: Controlo policial na fronteira franco-alemã. "Andar com um carro de matrícula francesa na Alemanha tornou-se quase uma nota de culpa", confirma o cabo-verdiano-francês Jean S. o que disse ao ’Le Figaro’ o francês Sébastien.