A FEM dos portugueses Moura Silva e Filhos reagiu na quarta-feira, 13, com um comunicado a informar que "o enviado da empresa" — que a CBS identifica como Jorge Manuel Mirra [sic, por Mira] Neto Moreira, "fez o que é cabível para o seguimento da carga, em cumprimento das regras da boa gestão sempre que o armador contratado falha a entrega".
"A nossa companhia deu-lhe as instruções necessárias para ele realizar o seu trabalho, disse a empresa fundada em 1955 no norte de Portugal como fábrica de fogos-de-artifício e desde 1999 em Moçambique. A FEM acrescentou estarem a empresa e o empregado "disponíveis para fornecer todos os esclarecimentos necessários".
Segundo a agência noticiosa libanesa ANN, citada pela congénera espanhola EFE e a americana CBS, os dois russos procurados pela Interpol são Boris Prokoshev, capitão do Rhosus, e Igor Grechushkin (na foto da moto).
Em agosto, dias depois da tragédia o armador Grechushkin foi ouvido em Chipre, onde reside. Porém, não foi divulgado o teor das suas declarações. Também em agosto, o septuagenário Prokoshev contou à AP-Associated Press que foi a partir de Istambul, Turquia, que tinha tomado conta do barco saído de Butima, Geórgia, após divergências entre o armador e o capitão anterior.
Nesse final de 2013, segundo relatou o capitão do Rhosus, o armador "recebeu um milhão de dólares" para transportar a carga destinada à FEM-Fábrica de Explosivos de Moçambique, dos portugueses Moura Silva e Filhos. Rumo à Beira, Moçambique, fez escala técnica em Beirute. Mas com o armador, a não pagar as taxas portuárias foram impedidos de deixar o porto. Seguiram-se onze meses em que "só comíamos porque o pessoal do porto dava-nos de comer por compaixão". O capitão e tripulantes tinham sido abandonados pelo armador Grechushkin que nunca lhes pagou.
Por seu turno, em comunicado, o porto da Beira, Moçambique, garantiu em 07 de agosto que em fins de 2013 "as autoridades portuárias da Beira não tinham sido informadas da chegada do navio moldavo Rhosus".
"Toda a chegada dum navio a este porto tem de ser anunciada com 7 a 15 dias de antecedência", garantiam há cinco meses as autoridades portuárias da Beira.
Contudo, segundo o jornal francês L’Express na sua edição de 8 de agosto, um alto responsável do porto moçambicano indicou, sob anonimato, que "o navio tinha a Beira como destino final, mas a carga ia seguir para o Zimbabué ou a Zâmbia, porque o nitrato serve para fabricar explosivos para a indústria mineira. E tanto quanto sabemos, esse tipo de amónio de nitrato não é o utilizado na agricultura como fertilizante, mas sim na indústria mineira", disse o responsável moçambicano citado pelo diário francês.
"Faça-se Líbano", França proclamou em 01 de setembro de 1920
O Estado do Grande-Líbano, a ser liderado pelo mufti muçulmano e pelo patriarca cristão, foi proclamado no primeiro dia de setembro de 1920 pelo alto-comissário francês mandatário da Sociedade das Nações, o general Henri Gouraud, em Beirute (foto). Cem anos depois, essa mesma presença francesa e similar composição religiosa continuam no centro dos conflitos que agitam o Líbano.
O evento fundacional representava a vitória dos cristão maronitas, a maioria demográfica da então província do derrotado império otomano. Os argumentos a favor da liderança maronita, apresentada pela delegação destes cristãos francófonos e educados pelos jesuítas, tinham conseguido convencer a Conferência da Paz de Paris (18 janeiro 1919 a 21 janeiro 1920).
Uma marca do Estado do Grande-Líbano que em 1941 se torna a República Libanesa é a ocidentalização empreendida pela classe dirigente cristã — justificada pela história deste Líbano, sobre cinzas do antigo império da Fenícia, de navegadores ousados que exploraram o mar ignoto até alcançar o oceano atlântico — do primeiro país cristianizado (no século I) na região.
A predominância cristã na governação, embora as bases históricas eventualmente a justificassem, representa uma violação da prometida liderança conjunta entre representantes muçulmanos e cristãos.
Com o tempo, o mosaico étnico-religioso tornou-se ainda mais complexo, com as minorias religiosas cristãs e muçulmanas a darem origem a diversas composições que reivindicam privilégios difíceis de serem satisfeitos.
A omnipresença francesa continua, cem anos decorridos e em conjunto com a diversidade étnico-religiosa, a contribuir para os sucessivos conflitos — alguns de longa duração como as guerras civis de 1975 a 1990, com entre 130 000 e 250 000 vítimas civis— que agitam o Líbano, com a agravante da questão palestina e cerco do rival Estado de Israel.
Fontes: Referidas. Fotos: O armador russo Igor Grechushkin e a FEM-Fábrica de Explosivos de Moçambique, dos portugueses Moura Silva e Filhos, estão no centro do caso da "tremenda catástrofe" humanitária do dia 4 de agosto que fez mais de cem mortos e deixou mais de quatro mil pessoas feridas. Na foto de rodapé, o general francês Henri Gouraud — (ao centro de branco) ladeado pelo Grande Mufti de Beirute, Cheik Moustafa Naja, e o Patriarca cristão maronita Elias Pierre Hoayek — proclama o Estado do Grande-Líbano em 1 de setembro de 1920; cem anos depois, Macron corre para Beirute em chamas, afirmando a sua solidariedade. Mas para uma parte dos libaneses, trata-se de "mais uma interferência francesa".