Era o último comboio da noite e Viktor, que passara o dia na capital a vender batatas, adormeceu. Ao despertar, a filha de quatro anos que o convencera a levá-la consigo para a feira agrícola, tinha desaparecido. Teria descido e onde? Podia estar dentro do comboio, nesse dia 1 de outubro de 1999, quando o pai soou o alarme? Yulia está no processo de juntar as peças do puzzle e lembra-se de um casal e uma longa viagem a pé, "com medo da polícia" porque andavam a pedir esmola.
O pai andou durante os três dias seguintes sem dormir a procurar a mais nova dos três filhos. Viktor e Lyudmila contaram à televisão estatal que passavam os dias a entrar e sair dos comboios entre Minsk e Aslpovichy, a perguntar aos passageiros se não tinham visto Yulia. Fora da linha férrea procuravam em poços, entravam em lojas, em casas desabitadas, em todo o lado. Em casa, a dor era tão viva que decidiram mudar: “Era impossível ficar na mesma casa que ela alegrava ainda há poucos dias com as suas brincadeiras, ou perto da linha de comboios onde a perdemos”, rematou Lyudmila.
A polícia local também fez buscas, os meios de comunicação divulgaram o desaparecimento, havia cartazes com o rosto da menina em todo o Belarus, país que se separara da Rússia em fins de 1991. As relações entre os dois países da ex-URSS ainda não se tinham normalizado nesse período recente do desmembramento do gigante soviético.
Entretanto, foi a polícia russa a encontrá-la uns mil quilómetros à frente, em Ryazan, vinte dias depois, em 21 de outubro de 1999. Yulia estava com um casal, que dizia tê-la encontrado perdida. A polícia recebeu a menina e deixou o homem e a mulher em paz. Yulia acabou por ficar internada num orfanato. Anos depois foi dada para adoção.
A crescer, Yulia interrogava-se sobre as suas origens e até fez buscas online, em vão. Até que, já divorciada e mãe, contou a história ao novo namorado, Ilya Kryukov, que se sensibilizou e fez uma busca na internet. Três palavras “menina perdida comboio” levaram a uma notícia em que Yulia se reconheceu.
O teste de ADN certificou a filiação e, dizem os media locais, o pai de joelhos pediu e obteve o perdão da filha, por a ter perdido. A polícia pôde enfim dar como resolvido o caso de desaparecimento há vinte anos.
Polígrafo iliba pais em 2017
Entre o fatídico dia 1 de outubro de 1999 e o dia em que foi finalizada a bateria de testes de deteção de mentiras, em 2017, o casal Viktor e Lyudmila Moiseenko esteve sempre na lista de suspeitos pelo desaparecimento da filha.
Só após a polícia aceitar o veredicto do polígrafo, em 2017, é que Viktor e Lyudmila Moiseenko foram ilibados da suspeita do infanticídio da filha.
Falta de comunicação entre países
Este caso mostra que a situação de desaparecimento só não teve desfecho favorável imediato devido à falta de um sistema de troca de informações entre os dois países.
Yulia lembra: "Só falava bielorusso e não me entendiam". Vinte anos passados ela interroga-se sobre o porquê de "a polícia nem ter tentado comunicar com a Bielorússia".
O ’estranhamento’ recente entre os dois países pode explicar essa falta de comunicação, num momento em que tanta informação circulava na Bielorússia sobre o desaparecimento da criança.
Fontes: AP/Pravda/... Fotos: Há lições a tirar: tanto sobre a esperança/busca quanto sobre a necessidade de partilha de informação entre países, sempre que ocorra desaparecimento de pessoas, em especial crianças. LS